Francisco e o casório

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downloadFinalmente, alguém abriu a caixa preta do casamento religioso. No civil, que voa mais solto, sem as amarras da Bíblia mal interpretada e dos dogmas da Igreja, há muito tempo as alianças deixaram de ser algemas e presilhas de gaiola.

E quem foi o autor da ousadia? Só podia ser o Papa Pop, o Francisco, que agora deu de ser roqueiro. O Papa mais “rock in roll” de todos os tempos, lançou um álbum de rock. E a primeira faixa do álbum é a alma dele: “Wake up! Go, Go! Foward.” Acorde! Vá, vá para frente! Ninguém que dorme pode cantar, dançar e regozijar!” Uma garganta que sacode a inércia, desafia ao novo, tira a Igreja do torpor, do assim seja pelos séculos dos séculos, Amém!

O Papa Francisco cutucou com vara curta um bicho preguiça sonolento, quase “imexível”: o casamento, a família, a moral sexual. Um começo ainda bem tímido. Não provoca uma revolução. Mas, já pôs em polvorosa as consciências retrógradas, conservadoras de cardeais, padres, moralistas e canonistas da tradição. Daqueles que só admitem uma leitura e interpretação fundamentalista da Bíblia, como se a Palavra de Deus fosse imutável, paralisada no tempo, descontextualizada. E o mesmo com a moral. Uma moral universal, imposta a todas as culturas, inflexível, estanque, parada no tempo. O Papa Francisco clama e canta: “Wake up!” Acorde (Igreja) “Go, Go! Foward! Vá, Vá, para frente!”

No dia 08 de setembro p.p, Francisco divulgou um par de cartas destinadas a facilitar os processos de nulidade de casamentos realizados na igreja católica. Em documento redigido de próprio punho (“Motu Próprio”) Francisco põe fim à morosidade, à eternidade de tempo que demorava o reconhecimento oficial de que aquele casamento de fato não aconteceu. Apesar dos papéis, das cerimonias, da festa, o casamento como tal, não existiu. Submetido a um tribunal eclesiástico, se confirmada a não validade, o pretenso casamento é declarado não perpetuado, e os dois voltam à condição de solteiros, podendo assumir outra união,  inclusive na Igreja.

O Papa não mudou nada da doutrina sobre a indissolubilidade. Apenas agilizou e desburocratizou o processo. O que antes levava anos e anos, agora tem que ser concluído em, no máximo, 45 dias. O que antes era submetido à arquidiocese ou até ao Vaticano, agora se resolve na própria Diocese, com assinatura final do Bispo.

E daí? Grande novidade nisso? Nenhuma. Mas, para quem conduz a sua prática religiosa com motivação da fé, redefinir a sua vida contando com a bênção de Deus e da Igreja é um consolo. Sentir-se reintegrado na sua comunidade, poder comungar, confessar, participar das diversas atividades, inclusive coordenar, é o que mais se quer.

Outra espinha cravada na garganta de muitos católicos e também não católicos, por que não? é a questão do aborto. E o Papa Francisco chegou lá também, corajoso, aberto, humano. Não deixa de considerar um grave pecado, mas, ao mesmo tempo, ele critica o exagerado rol de membros da Igreja que vivem “obcecados” pelo aborto, pelo casamento gay e pela contracepção, como se não houvesse preocupações maiores na Igreja.

Nesta linha, numa outra carta, Francisco concede o perdão aos que consentiram com a prática do aborto e se arrependeram. Esse perdão, antes só podia ser concedido pelo Bispo. O Papa Francisco, durante o Ano Jubilar da Misericórdia (2016),  estendeu também aos padres esse dom de perdoar o aborto, não só para a mulher que o cometeu, mas, para todos os envolvidos: pais, marido ou namorado que o forçou.

Grande novidade? Não! Mas, já é um primeiro passo. A partir daí, os moralistas e canonistas mais abertos, mais atentos à realidade, poderão abrir outras portas.

Está aí o Francisco com suas ousadias. É um Papa que agita consciências por onde passa. Um papa que considera o chamado “depósito da fé” da Igreja Católica não como um museu para se contemplar e salvaguardar, mas, como uma fonte sempre viva e geradora da vida. Por isso, menos burocracia e mais familiaridade.“Wake up! Go, Go! Foward! Igreja, Acorde! Vá! Vá! Pra Frente!

1 comentário

  1. Antonio Carlos em 24/10/2015 às 11:47

    Ótimo, padre Otto! Lembro-me de uma senhora de 80 anos, catequista, que se queixava, numa pequena roda de amigos, de ter perdido os melhores anos de vida sexual com seu marido por ter ouvido demais a Igreja, que quase tudo considerava pecado. Além de regras morais que entende a Igreja de sexo, casamento, namoro, educação de filhos, separações, etc? Sacralizou tudo pensado que humanos são anjos. Criou uma espécie de camisa de força. Aconteceu que o povo seguiu adiante, mesmo com a ‘consciência pesada’. e a Igreja ficou para trás. Bendito Francisco, o desatador de nós.

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