Frei Sigrist, São Nicolau de Flüe e o Jardim Glória

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Juntando papéis antigos escritos por frei Sigrist e milagrosamente conservados em seu antigo barraco de madeira do Jardim Glória, em Piracicaba/SP, mesmo após 20 anos de sua morte, deparei-me com uma carta endereçada à uma amiga e colaboradora suíça, escrita em 1997, que dizia:

“Externamente, o Natal entre vocês é mais belo do que entre nós, tendo em vista a neve que cai sem cessar, o que, além disso, oferece clima mais propício para a reflexão, contemplação, oração. Lembro-me sempre da belíssima noite de natal passada com os capuchinhos na casa de sua mãe em Sarnen. Pela manhã a natureza, sol a pino, estava super maravilhosa. O Natal, aqui na Favela, celebraremos às 20 horas no Centro Comunitário; no ano que vem, se Deus quiser, na Igreja nova que está em fase de construção. Ainda faltam os vitrôs, pintura, altar e bancos. A relíquia de São Nicolau pretendo colocar, incrustrada na parte do altar, frente ao público. Depois da missa será servido sanduiches e refrigerantes a todos os presentes, normalmente umas 400 pessoas. Na manhã seguinte irei para Helvetia, almoçar e passar o dia 25 com a família.”

Ajudado por uma rede de amigos de Helvetia fizemos chegar a Sachseln, na Suíça, onde está a igreja principal e o tumulo de São Nicolau de Flüe, esta informação inédita e preciosa, do desejo não realizado de frei Sigrist. Serviu como intermediária a Marlis e seu esposo Franz Sigrist, suíços, amigos de frei Sigrist e da comunidade de Helvetia, que fez chegar aos padres responsáveis da capelania este apelo. Comovidos com a história e seu contexto, os suíços nos enviaram a relíquia, através da visita do Padre Josef Rosenast ao Jardim Glória. E fizeram mais, pois enviaram também uma belíssima imagem do santo e sua esposa Doroteia, através de Ligia Madalena Amstalden, prima de frei Sigrist, que estava em viagem à Suíça. Esta escultura tornou-se um relicário, pois a relíquia foi encrustrada em seu pedestal.

Antes de ser entregue à Capela do Jardim Glória, o relicário visitou hospitais, mosteiros, paróquias e famílias levando a mensagem de paz de irmão Klaus, o querido São Nicolau de Flüe. Finalmente em 18 de outubro de 2018, durante missa de 20 anos de morte de frei Sigrist o relicário foi entregue à Capela do Jardim Glória. A entrega simbólica foi feita pelos irmãos do frei Sigrist, Dolores, Berta, Benvinda, Maristela e Lino.  A cerimônia foi celebrada por frei Carlos Silva, Cônego Álvaro Ambiel, frei Jose Orlando Longarez e Padre Marco Antônio Amstalden.

Desde então, a belíssima escultura em madeira retratando o casal santo, Nicolau de Flüe e sua esposa Dorotéia, ocupam o nicho lateral do presbitério.

Entronização oficial da relíquia

A relíquia de primeiro grau, isto é, um fragmento do osso do santo, e a imagem de São Nicolau de Flüe foram entronizadas oficialmente com a missa presidida por Dom Devair Araujo da Fonseca no dia 14 de outubro de 2021, na Capela do Jardim Glória. A cerimônia foi concelebrada pelo padre Fabio Donizete Golfete, pároco da Matriz de São Francisco Xavier, paróquia a que pertence esta capela. Nesta santa missa foram lembrados os 23 anos de morte de frei Sigrist, em preparação ao jubileu de 25 anos que se dará em 2023. O relicário ganhou um pedestal próprio, ficando exposto ao culto dos fiéis.

O que são relíquias?

Conforme conta Caio Henrique de Almeida:

“Para entender e honrar as relíquias, podemos recorrer às passagens bíblicas. No Antigo Testamento, Moisés, ao sair do Egito, levou consigo os restos mortais de José (Ex 13, 19). No Novo Testamento, podemos encontrar exemplos de curas de pessoas que, só de tocar na roupa dos discípulos, recebiam o milagre (At. 19,11-12). Além, é claro, de uma mulher que sofria de hemorragia e foi curada por tocar na roupa de Jesus (Mc 5,28).

Não é recente que a Igreja Católica reconhece essa graça e permite a veneração das relíquias. O Concílio de Trento (1545) nos convida a venerá-las, sejam estas de Primeira Classe (fragmentos do corpo), de Segunda Classe (objetos usados), de Terceira Classe (tecidos tocados em seus restos mortais ou seus túmulos) e até uma Quarta Classe (tecidos tocados em suas vestes).”

Conexão com São Nicolau de Flüe, de onde vem?

A resposta nos é dada pelo próprio frei Sigrist, neste manuscrito de 1998, ano de sua morte, encontrado em seu barraco, no Jardim Glória, que parece ser o rascunho de uma correspondência enviada à comunidade da Paróquia de São Nicolau de Flüe, em Sachslen, na Suíça, onde está sepultado o corpo do santo: “Tal fato é por demais significativo: de um lado vincula vossa comunidade definitivamente com os moradores do Jardim Glória, por outro lado me causa imensa alegria, pois sabidamente muitas famílias, inclusive a minha, que no século passado imigraram para o Brasil, descendem de Bruder Klaus (São Nicolau de Flüe)”.

Um sonho realizado

Assim se realizou este pedacinho do sonho de frei Sigrist. O maior sonho, ou a parte maior, do sonho de frei Sigrist já estava realizado desde antes de sua morte. Sonhou que a favela seria transformada em jardim e conseguiu ver este sonho realizado através dos mutirões que organizou e que transformaram mais de 100 barracos em casas dignas de alvenaria, com toda infraestrutura necessária. Plantou dezenas de palmeiras imperiais, que ainda tremulam ao vento gritando que a paz é possível; construiu quilômetros de muros de pedras, que protegem a comunidade e a torna mais bela; construiu a belíssima capela em honra de Francisco e Clara, abrigando a comunidade em torno da Palavra de Deus. O que não mudou e nunca mudará é seu barraco, o único que ainda é de madeira. Tombado como Patrimônio Histórico de Piracicaba, pelo Codepac, é hoje o Memorial de frei Sigrist, testemunha de toda esta história.

*Claudinei Pollesel, do IHGP – Instituto Histórico e Geográfico de Piracicaba.

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