Humores do mundo
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O mundo tem seus ruídos, seus humores e seus mistérios. Quando me refiro a humores, contemplo a abrangência de grande parte do que é criado, do que nos pertence, nos caracteriza e nos individualiza. Tal cada um dos quatro tipos de matéria líquida ou semilíquida que existiriam no nosso organismo. No ser humano sadio estes quatro elementos se encontrariam em equilíbrio e formariam o temperamento. Já a falta deste equilíbrio determinaria o aparecimento de doenças. Seriam eles: o sangue, a fleuma, a bílis amarela e a bílis negra.
Juro que não entrarei em detalhes orgânicos e físico-químicos destas substâncias, até porque os nomes me impressionam. Uma vez, mandei um livro com meus poemas de presente para um editor. A secretária dele me devolveu, agradecendo. Escrevi ao editor, comunicando o fato e ele respondeu: “Ah, Marisa, se raiva seca matasse, eu estaria morto”. Pediu mil desculpas e para eu mandar o livro de novo.
Então, raiva seca, assim como bílis negra, me parece uma nomenclatura de nervosa e irada significância. De qualquer forma, a cronista deseja se confraternizar com todos os vocábulos existentes, em todas as línguas, porque ama a palavra e a respeita, fervorosamente.
Assim, à semelhança dos humores que regem nosso corpo e nosso estado de espírito, penso nos humores nas entranhas da Terra, o magma profundo expelido pelos vulcões; os vapores dos gêiseres; os atritos entre as placas tectônicas; as correntes marinhas e todo tipo de movimento desconhecido, plasmado na Criação.
Deseja a cronista, em primaveril êxtase, exaltar os humores do mundo, tal os que no corpo humano precisam estar equilibrados para que seja formada a têmpera da alma. Teorias à parte, que ruídos são esses, que humores se enterram no seio do planeta, para que pressintamos algo maior vindo em nossa direção?
Confesso que também não sei. Mas já me debrucei em livros, estudei muito quando o livro era o nosso material de pesquisa. Agora, temos o Google, a bíblia da informação. Contudo, a resposta e a descoberta não repousam apenas na enciclopédia virtual, mas percorrem um longo caminho até serem processadas em nossa mente.
À nossa volta, há ruídos de toda espécie. Há dias em que ando com o vidro do carro fechado para não ouvir o barulho do lado de fora e dos demais veículos circulando, pois quero me concentrar na música do rádio.
Há tantos humores e sons fluindo através do dia e do tempo, poluindo nossa lucidez! Mas há um humor especial, algo que sobe dos abismos, das profundezas abissais e nos atinge por inteiro. Há outro, etéreo, que vem das alturas e nos alveja o peito como um dardo flamejante. Seja em forma de pensamento, de presságio, ou de uma luta concreta, tensão permanente com força transformadora.
Peçamos a Deus que nos livre do terror das trevas e da flecha que voa durante o dia. Que a epidemia passe longe da nossa casa. Calcaremos aos pés leões e dragões e nenhum mal nos acontecerá, porque conhecemos o Seu nome e seremos honrados com a Sua salvação.