Igreja Morta
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“Senhor, já cheira mal (…)”. Disse Marta quando Jesus ordenou removerem a pedra onde Lázaro seu irmão fora sepultado quatro dias antes. (Jo 11,39). Essa frase cai bem para grande parte da Igreja Católica de Piracicaba. Não sou exemplo de católico, menos ainda de cristão. Porém, gostaria de trabalhar mais pela nossa Igreja – não nas pastorais assistencialistas e sem impacto que mantém – mas na experiência do Evangelho. Salvo algumas comunidades, nossa Igreja está no túmulo.
A Igreja que me fascinou na juventude foi a Igreja de Paulo Arns, Pedro Casaldáliga, Tomás Balduino, Angélico, Helder Câmara, Luciano, Romero, Aniger, Eduardo Koaik, padre Josimo, Chico Mendes e uma lista imensa de comprometidos cristãos. A Igreja que me encantou foi a Igreja das pequenas comunidades, dos grupos de jovens diocese afora, onde partilhávamos vida. Jovens que peitavam as injustiças e testemunham o Evangelho na escola, no trabalho, em casa, no namoro; que se envolviam em trabalhos com presos, doentes, idosos, moradores de rua, favelados, organizações populares e entidades. Através do movimento jovem muitos descobriram a vocação religiosa; outros, a política como serviço; bons trabalhadores, empresários honestos e pais responsáveis surgiram. Apesar das falhas, a Igreja de minha juventude tinha postura, tinha rosto, tinha lado, tinha profetas e mártires. Pertencer a ela dava gelo na barriga porque implicava inquietação e risco.
Hoje, a regra virou exceção. Qualquer pateta pode ser leigo católico até padre. A maioria dos nossos clérigos se porta com funcionários de uma multinacional. Seu campo de ação é o templo. Em vez de cura de almas, são distribuidores de sacramentos. O que fazem o dia inteiro, já que a maioria só atende com hora marcada? Raramente são vistos pelas ruas sentindo como vivem, se relacionam e trabalham seus paroquianos. Atenção especial à favelas e barracos que por ventura existam no território paroquial ou contatar outras igrejas para fomentar o ecumenismo então, nem pensar. Nem de longe lembram Jesus, sempre no meio do povo deparando com festas e enterros; com ricos e pobres; com crianças, jovens, trabalhadores, prostitutas, doentes e desprezados de toda sorte. Sei que essa é missão de todos nós, inclusive minha, porém farei em nome de quem se não tenho mandato?
É preciso assoprar o pavio que fumega e reforçar o caniço rachado. Pessoas amam ser ouvidas; valorizadas, então é tudo de bom. Encorajar doentes e gente sofrida, animar os trabalhadores, dar atenção a adolescentes ociosos nas esquinas. Coisas que Jesus fazia. Não precisa falar de religião e nem fazer ‘sermão’. “Cada um sabe a alegria e a dor que traz no coração” (Titãs). As pessoas precisam de alguém que lhes mostre a presença de Deus em suas vidas, já que na hora do turbilhão o dia escurece, a fé vacila e não se percebe Deus assumindo nossas dores e nos carregando no colo.
Muitos padres nos tratam como crianças. Reuniões servem para referendar o que já foi decidido. Nosso principal múnus é pagar dízimo, comprar e vender rifas. É uma pedição de dinheiro sem fim. Se bobear o salário do fiel fica na igreja. Na minha paróquia, por exemplo, nosso grupo se reúne nas casas para rezar e meditar o Evangelho há anos. Padres que por lá passaram nunca tomaram conhecimento. Adianta ter pós em Roma, doutorado na Alemanha e mestrado nos EUA se não capacita seu povo; fica trancado na igreja e não sabe ler os sinais do Reino; se não dá oportunidades aos leigos a botarem seus talentos a serviço e se realizarem como pessoas; centralizam tudo para não perder o poder; falam mais de dízimo que do Reino e gastam mais tempo reformando igrejas que cuidando do templo verdadeiro que é cada cristão e se por conveniência prefere obedecer mais ao bispo – construtor de prédios e pastor omisso como o nosso – que ao Evangelho?