INCOERÊNCIA
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Ouço a choradeira de empresários que falam de crise e de futuro sombrio. Segundo a maioria deles, a culpa é do governo por um monte de motivos, sendo o principal o de gastar mais do que arrecada. Concordo plenamente, pois quem gasta mais que ganha – e isso serve para todos – não passa de um irresponsável. “Tenhas o que tiveres gaste menos” dizia Samuel Johnson, pensador inglês (1709 – 1784).
Porém, observando bem, já que – como diz o ditado – maior experiência tem quem mais observa que quem muito viaja, vejo outro lado dos fatos. Começa com a crise da água e de energia que assusta o país. Ameaças de demissão rondam o trabalhador, como sempre acontece em momentos difíceis. Empregado é como andaime: mesmo tendo ajudado o patrão a subir, vira descarte. No entanto são poucas as empresas que se responsabilizam pelos recursos naturais. A lista das agressões feitas pela maioria delas contra o meio ambiente, além de inaceitável, é imensa. Aliás, muitos empresários ficaram ricos porque praticaram uma espécie de estelionato ambiental.
Depois vem as condições degradantes e degenerativas de trabalho, que levam trabalhadores a adoecer onerando mais e mais o sistema público de seguridade. “Afastamento por doenças mentais disparam no país. Depressão e estresse ligados ao trabalho levam a afastamento pelo INSS. O mercado de trabalho tornou-se um foco de doenças como depressão e estresse”. (Folha 25.11.11). “Níveis de estresse patológico atingem 44% dos executivos. Insônia, irritabilidade, compulsão por comida, dificuldade de trabalhar em equipe”. (JP 19.04.14). Quase 80% dos executivos querem trabalhar menos. A mulher concentra cada vez mais tarefas, por isso está submetida a jornadas obscenas de trabalho. Falando nisso, “Quantas empresas, que têm em seu quadro um grande número de pais, são solidárias quando os filhos deles ficam doentes? (…) Quantas empresas têm um espaço para filhos de funcionários ficarem quando eles precisam? Seria ótimo se a criança pudesse ir com sua mãe ou seu pai para o trabalho, e lá ter um espaço preparado para ela ficar”. (Rosely Sayão JP 02.07.14). Não percebem os empresários que o funcionário feliz rende mais que o bem pago?
Por fim, a pior das incoerências. Prédios públicos recém feitos se decompõem cheios de trincas e umidade subindo pelas paredes porque a empresa licitante fez serviço de porco visando mais lucro. A maior parte dos imóveis municipais é feia e mal acabada. Uma obra pública deveria ser tida como algo sagrado e definitivo, um serviço à população – feita, portanto com qualidade, bom gosto e menor margem de lucro possível. Enricar com dinheiro público, além de roubar de si mesmo, dá azar.
Empresa quando assume o transporte público, fornece merenda, materiais e equipamentos; quando faz pontes, estradas, hidroelétricas, casas populares, etc.; quando recapea o asfalto das ruas deve agir com responsabilidade cívica, pois está tendo a oportunidade de servir seu povo, onde estão seus familiares, amigos e concidadãos.
Empresários querem que o governo gaste menos, porém pagam até propina para vencer licitações e poder meter a mão no dinheiro público. Ora, quem consegue governar uma nação onde o interesse próprio move do mais simples ao mais graduado cidadão; um país onde empreiteiros formam cartéis para ganhar concorrências; corrompem funcionários; devoram estatais; apresentam baixo orçamento de olho nos aditamentos e superfaturam para bancar campanhas de políticos lacaios de si próprios?
“A crise foi gerada pelo setor privado e está sendo paga pelo setor público. (…) Os de baixo estão ouvindo o discurso de apertar os seus cintos, feito por aqueles que estão vestindo calças muito largas. (Mark Blyth – Universidade Columbia – EUA).
“Removida a justiça, o que são os reinos senão um bando de ladrões?” (Santo Agostinho).