Jatobá

Os textos de diferentes autores publicados nesta seção não traduzem, necessariamente, a opinião do site. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.

jatoba

Foto: Reprodução Google

No sonho que tive, pessoas procuravam jatobás.

Quando eu era moleque todo mundo chamava de jataí – uma vagem de casca escura, grossa e dura. A gente quebrava com o pé ou batia com força nas pedras. Dentro havia sementes envolvidas por uma polpa amarelo-esverdeado como farinha adocicada de sabor característico, o cheiro parecia de chulé. Na boca virava uma pasta grudenta. “Jatobá é uma árvore nativa das florestas tropicais do continente americano e da Ásia. É sagrada para os indígenas latino-americanos e também é conhecida como jutaí, copal, jataí e outros nomes. Um dos usos ritualísticos que os povos indígenas dão ao jatobá é a ingestão das suas sementes antes dos rituais sagrados de meditação, pois, acreditam eles, que este alimento ajuda a clarificar, equilibrar e apaziguar a mente.” (Web).

Isto posto, voltemos ao sonho.

Várias pessoas procuravam vagens de jatobás, mas ninguém as encontrava. Lembrei-me que havia plantado uma árvore quando era criança. Talvez fosse jatobá, pensei. Embora não visse o rosto – o sonho era opaco – Soeli estava comigo. Voltei tateando pelo túnel do tempo e encontrei uma pequena árvore plantada dentro de meio saco de algodão, desses de trigo. No sonho, jatobás não davam nos galhos, mas no chão, soltos em meio à terra que segura as raízes.

O saco estava com a boca amarrada no caule por um barbante. Pessoas se acercaram á espera de boas notícias. Desmanchei o nó e soltei a boca do saco. Para minha decepção não havia jatobás. Peguei o saco pelas bordas da boca e chacoalhei-o com força. A terra em volta do caule estava solta. Apareceram coisas como pedaços de ossos de boi e de madeira, cascas e elementos orgânicos que eu havia posto por acreditar que faziam bem à planta. Com receio de ter minhas crenças julgadas, tentei fechar rapidamente a boca do saco para não ver ridicularizadas minhas intimidades. Enquanto isso, pensava: “Por que plantei essa árvore dentro de um saco se no chão é o seu lugar? Talvez tivesse já dado os frutos que procuram”. Achei que os que me rodeavam riam-se de mim.  Como a terra estava solta, julguei que a árvore também estivesse e resolvi acabar com tudo. Com força puxei-a pelo seu fino caule a fim de arrancá-la com raiz e tudo. No entanto ela nem se mexeu. Estava firme como se plantada entre rochas.

Foi aí que notei, soltas e misturadas ao material orgânico, várias vagens de jatobás. Peguei-as e vi que estavam totalmente saudáveis e que delas escorriam fios de mel. Os que me rodeavam ficaram espantados. Distribuí as frutas. Soeli me olhou com olhar de feliz aprovação. Acordei do sonho com a boca levemente adocicada. Só depois vim saber que “o jatobá, que tem pequenas e abundantes flores melíferas, é um grande atrativo para as abelhas nativas sem ferrão, as Jataí, que produzem um mel medicinal muito usado para problemas respiratórios”. (Web).

Há muito tempo não via Jatobás. Interessante que neste último feriado, passeando de bicicleta acabamos num bairro rural não longe de casa. Paramos para descansar debaixo de uma grande árvore. Nada havia eu notado, quando Soeli, olhando pra o chão, viu jatobás espalhados entre as raízes da frondosa árvore. Olhamos para cima, o pé estava cheio. Trouxe alguns para casa. O sonho era realidade.

Entendi entre muitas outras coisas, que nosso passado é um tesouro donde tiramos coisas novas e velhas. Nada em nossa vida é desprezível ou vergonhoso. Tudo é útil. São milhares as vozes, mas só a de dentro conhece o caminho e responde as questões que nos inquietam, afinal dentro de mim não moro sozinho.

Deixe uma resposta