Lá e cá
Os textos de diferentes autores publicados nesta seção não traduzem, necessariamente, a opinião do site. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.
Quem viu pela televisão no último dia 17 a votação dos deputados federais para aprovar abertura de processo de cassação da presidente Dilma, deve ter ficado pasmo com o naipe da maioria dos parlamentares eleitos pelo povo para representá-lo no principal poder da República, o Legislativo. O presidente da Câmara começou a sessão pedindo a proteção de Deus, logo ele em cuja boca não cabe tal nome, investigado que é por vários delitos. Outros também invocaram o santo nome de Deus, em vão porque se ali estivesse talvez fizesse como seu Filho no templo de Jerusalém. Se ali estava certamente foi Ele que falou pela boca de uma minoria de parlamentares, que como profetas denunciaram os interesses que movem o bando que lá está.
Bem produzidos, reluzentes e bem nutridos – afinal custam ao país perto de 150 mil reais por mês cada – não conseguiam esconder a ansiedade em aproveitar ao máximo seu minuto de glória em rede nacional, preparado que foi para um domingo, não por patriotismo, mas para mostrar ao país, aos familiares, parentes, amigos, eleitores, aos puxa-sacos e amantes que servem para alguma coisa, afinal lá estavam ‘trabalhando’ num final de semana para ‘mudar os rumos do Brasil’.
Talvez tenham confundido a ocasião com programa de auditório, já que era tal de mandar beijos e abraços para filhos, pais, avós, netos, mulheres, padrinhos, que não tinha fim. Outros aproveitaram para homenagear policiais, maçons, igrejeiros, corretores, moradores de rua, militares e por aí afora. Até por torturador da Ditadura, pela paz em Jerusalém e contra crianças que trocam de sexo votaram. Chega ou vai mais? O deputado do tão esperado voto 342 a favor da cassação tem o nome na Lava Jato, e o marido da deputada Raquel Muniz, prefeito de Montes Claros – MG, citado por ela como “exemplo de gestão”, foi preso no dia seguinte pela PF por estelionato. Clamaram tanto por Deus que Ele começou a agir como disse alguém.
Poucos citaram o motivo de estarem votando o impedimento da presidente. Portanto, grosso modo, temos um Congresso de bonecos de ventríloquo, paus mandados de banqueiros, empresários, fazendeiros escravagistas e agronegociantes; da turma da bala, dos donos de televisão e grande imprensa, dos evangélicos homofóbicos, etc. Esses elementos estão se lixando com o Brasil. Com direitos para todos e justiça social nunca se preocuparam. Estão lá para lutar pelos privilégios da turma que representam. Quando trabalham é de terça a quinta. Pois vararam noites e passaram um domingo inteiro tramando a derrubada de um governo que, errando e acertando, mais fez para diminuir a enorme diferença social que nos envergonhava perante o mundo e nem tomaram conhecimento do abaixo-assinado de oito milhões de brasileiros pedindo reforma política – principal causa da crise que atravessamos.
Não só lá, mas também cá a situação do Legislativo é de lamentar. Em nossa Câmara de Vereadores, por exemplo, temos a famigerada Base Aliada, o grupo de parlamentares compromissado com o prefeito desde a campanha. Essa gente é um verdadeiro empecilho ao desenvolvimento da cidade porque acata tudo o que o Executivo manda. Nem o Orçamento Municipal aceitam discutir. Não fiscalizam e fazem o que podem para impedir que se faça. Por acaso elegemos e pagamos essa turma para trabalhar para o prefeito ou para a população?
Esse é o retrato do descaso com que tratamos a política. Essas pessoas foram eleitas por nós. Elegendo picaretas, temos política de picaretas. Em vez de reclamar precisamos criar vergonha na cara e nos envolver mais na coisa pública e nos preocupar em saber em quem votamos. Contudo, ergamos a cabeça. Estamos no caminho certo. Um país só melhora tomando consciência de suas mazelas. É mais uma oportunidade. Em vez de nos dividir, assumamos juntos os cuidados por esta grande nação.