Loja da Lua

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(imagem de aalmeidah, por Pixabay)

Assim como Brazópolis foi minha primeira, Piracicaba foi minha segunda cidade. Imaginem um mineirinho, caipira, de pequena, muito pequena , cidade do Sul de Minas mudar-se para uma “Cidade Grande” do interior paulista! Sumpaulo, como dizem meus conterrâneos baianos! Meu sotaque, então, me fazia centro de atenção dos alunos da segunda série ginasial do Colégio Piracicabano. Talvez, hoje, fosse “buling”. Mas eu até que gostava! Fiquei amigo de todos!

Piracicaba me alucinava! A começar pelos apitos das fábricas às sete da manhã. Ou o carrilhão do Bom Jesus, sempre às seis e às doze horas! Os bondes, os ônibus urbanos e interurbanos, duas estações ferroviárias, de duas ferrovias! As ruas ortogonais, com quarteirões quadrados, de cem metros de lado! Dois cinemas, que logo eram seis! O “Sud Mennucci”, que ainda era Escola Normal e seus magníficos Corpos Docente e Discente. Tudo me encantava.

O Comércio concentrava lojas especializadas em ruas conhecidas. Eram, por exemplo, três lojas de artigos de caça e pesca que ficavam na mesma quadra da Rua Prudente; os dois cinemas, Broadway e São José, ficavam em quadras vizinhas da Rua S. José. Dos quatro que se seguiram, três situavam-se na Rua Benjamin: Colonial, Palácio e Paulistinha. As lojas tinham nomes sonoros: Bazar Modelo, Céu Cor de Rosa (meninas), Céu Azul (meninos), Garoto Chique, Ao Cardinali e tantas outras. Duas me marcaram: Loja do Sol, depois A Porta Larga e Loja da Lua (esquina da Prudente com Alferes). Perceberam que minha intimidade com o nome das ruas cresceu com o maior relacionamento meu com Pira! O que me chamava a atenção nela era, em primeiro lugar, ser o único comércio de aeromodelismo e avião ser uma paixão em toda criança.

O outro motivo só me marcaria dez anos depois! Ingressei na ESALQ em 1959. No dia 13 de maio foi o desfile dos bichos, atração imperdível em que os alunos, bichos e veteranos se uniam para fazer humor e críticas à sociedade e à política. Lembro-me que a Comissão de Trote era encabeçada por um menino (até hoje tem cara de menino!) que os colegas chamavam de “Bofinho”, seu apelido de bicho. O meu, sintam a ironia, era “Tucano”! Sorte que não “pegou”!

Não me esqueço, enquanto enchíamos a cara para enfrentar o desfile, Antonio Otavio, seu nome de batismo, examinava bicho por bicho para escolher a fantasia “adequada”. Na minha vez ele me olhou e deve ter pensado “o que será que é adequado para esse bicho horrível?” Olhou-me com uma cara de deboche, um sorriso sarcástico e disse: “você vai ser a “baliza” do desfile! Tragam a roupinha da Silvia Hage!” Silvia Hage era uma gatinha da Alta Sociedade piracicabana, linda e escultural! Adaptações feitas e lá fui eu de “Baliza” abrir o desfile. Não me esqueço da “roupitcha”: um maiô branco de “laise” com babadinho de “filó”! Ela fazia balé com esse traje. Ao vesti-lo senti uma sensação estranha, parecia que Silvia me abraçava! Fiquei uma “graça”! A “sensação estranha” se tornou a sensação do desfile! Só superada pelo “Piranha” (Roberto Cano de Arruda) que encarnou Marco Aurélio, cronista social, muito badalado!

Em outubro, do mesmo ano, houve a apresentação do “Show Agronomia” – tradicional programa de humor e arte promovido pelo Departamento Cultural e Artístico do CALQ (Centro Acadêmico “Luiz de Queiroz”) no palco da Sociedade Italiana, maravilhoso Teatro da rua D. Pedro I. A sociedade piracicabana, assanhada, se acotovelava para conseguir lugar! Além da qualidade da arte cênica, o show era “de grátis”! Foi o primeiro que assisti. Auditório superlotado! Muita gente sentada no chão e em pé! Apagam-se as luzes, silencio absoluto! Vai começar! Nondas (Epaminondas) abre a cortina. Palco escuro. Suas luzes vão, pouco a pouco, acendendo. Penumbra. Vê-se um banco de jardim, ocupado por uma pessoa de terno de brim cáqui, chapéu visivelmente surrado, perna direita fletida sobre a esquerda. As luzes se acendem, o homem vira-se, dobrando a perna esquerda sobre a direita, ficando de frente para o público, que quase se desmancha em gargalhada!

Parece que a minha gargalhada dura até hoje! Todos ali já haviam identificado a personagem: Poia! Tipo popular à época, que frequentava o jardim em frente ao COMURBA. Sempre com o mesmo traje, sentado, pernas cruzadas, levantando- se bruscamente e começava a jogar pedras, imaginárias, sobre pessoas, também imaginárias. Era inofensivo. Mas quem o interpretava com tanto realismo? Só podia ser ele: “Bofinho”!

Jacinto foi a pessoa mais engraçada que conheci! Naquele momento, em êxtase, me prometi participar do Show Agronomia enquanto fosse aluno! E, se possível, contracenar com “Bofinho”! O que, orgulhosamente, fiz muitas vezes!
Hoje ainda somos amigos e nos correspondemos pela internet.

*Jairo Teixeira Mendes Abrahão é Professor Titular da ESALQ-USP; vive, hoje, em Porto Seguro/BA.

2 comentários

  1. Homero José Rochelle em 24/09/2020 às 08:27

    Belas recordações Professor Jairo.
    E ali, pertinho da Loja da Lua, a papelaria A Normalista, com o atencioso casal, já velhinhos, orientando os garotos para as compras de material escolar.

  2. Jairo Teixeira Mendes Jairo em 25/09/2020 às 07:37

    Olá, Homero.
    É verdade, tanto a papelaria como o casal eram muito simpáticos. Obrigado pela leitura e pelo comentário.

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