México: os números da violência

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J-1-Mais um caso recente chamou a atenção para os níveis de violência no México: a morte da jornalista Miroslava Breach, no estado de Chihuahua. Foi o terceiro assassinato registrado no mês de março, depois de uma morte em Guerrero e outra em Veracruz.

Desde 2000, 103 jornalistas foram assassinados no México, o que torna o país o mais inseguro da América Latina para o exercício da profissão. Só no governo de Enrique Peña Nieto, que teve início em 1 de dezembro de 2012, foram 30 mortes. Dos estados da federação, o mais inseguro para a imprensa é Veracruz. De 2012 a 2016, Veracruz teve 19 jornalistas assassinados e 8 desaparecidos. No caso do jornalista Ricardo Monlui, morto em 19 de março em um restaurante, ele contava com proteção federal depois que recebera ameaças. Neste estado, também em março, ainda foram encontradas covas clandestinas que abrigavam dezenas de restos humanos.

Apesar da grande mobilização social contra a insegurança no país, o governo não responde de maneira contundente. Isso porque, 90% dos casos de assassinatos envolvendo jornalistas ficam impunes pela justiça mexicana. Depois da morte da jornalista de Chihuahua, o jornal em que ela trabalhava, El Norte de Juárez, anunciou fechar a versão impressa devido à falta de segurança aos correspondentes. A organização Article 19 classificou a morte como “crisis de violencia contra la libertad de expresión que impera en el país”, já que a morte de jornalistas vem conjugada com a de ativistas de direitos humanos, os quais denunciam os vínculos do crime organizado com as instituições.

O assassinato de jornalistas e ativistas conjuga-se, portanto, com um cenário mais amplo de insegurança e impunidade. Assim, incluem-se também os desaparecidos, cujo caso mais emblemático foi o que envolveu 43 estudantes do estado de Guerrero, em setembro de 2014, a violência de gênero, centenas de caso de deslocamento forçado e a própria corrupção. Em Veracruz, o governador do Partido da Revolução Institucional (PRI), Javier Duarte de Ochoa, encontra-se foragido depois de não ter comparecido para depor diante da acusação de corrupção e tráfico de influência. Ele já havia sido afastado do cargo em outubro de 2016 e teve também seus direitos suspendidos pelo partido.

A gravidade da violência no México é percebida pela população. Em pesquisa de novembro de 2016, da Buendía & Laredo, 69% dos mexicanos afirmam que a violência associada ao narcotráfico aumentou na gestão de Felipe Calderón e Enrique Peña Nieto, maior nível histórico desde 2008. Ademais, 71% dos mexicanos afirmam que a estratégia de combate ao narcotráfico deixou o México menos seguro. Em outra pesquisa que aborda a confiança dos mexicanos nas instituições, as muito confiáveis são a Marinha (48%), a Igreja católica (44%) e a Universidade Nacional Autônoma do México (40%). Por sua vez, as menos confiáveis são os partidos políticos, a polícia e o Instituto Nacional Eleitoral (INE). Nos partidos políticos, 84% dos cidadãos confiam pouco ou nada, enquanto com relação a polícia, a taxa é de 75%.

Quanto à corrupção, em pesquisa de fevereiro, 59% dos mexicanos afirmam que seu combate deve ser prioridade, estando atrás apenas da geração de empregos. Ademais, 50% da população considera que a maior quantidade de corruptos encontra-se no governo federal, o que claramente impacta nos baixos índices de aprovação de Enrique Peña Nieto. Atualmente, apenas um em cada cinco mexicanos aprovam a sua gestão.

Observa-se, portanto, o descrédito da população nas instituições governamentais e na capacidade das mesmas em responderem aos grandes desafios sociais. Muitos culpam a estratégia militarista de combate ao narcotráfico de Felipe Calderón pela violência atual, mas a de Enrique Peña Nieto, proposta como uma estratégia que incrementaria o papel das forças de inteligência, pouco vem sendo percebida como efetiva, tendo ainda como base a forte presença do Exército. No estado de Guerrero, por exemplo, parcelas da população já se organizam de maneira autônoma e não apenas contra os narcos, mas contra as próprias forças governamentais, que estão, em muitos casos, diretamente vinculadas ao crime organizado e à violência.

No caso de Guerrero, a conjuntura de violência também está vinculada à precariedade social em que vive grande parte da população. Pelos dados disponíveis no Instituto Nacional de Estatística e Geografia (INEGI), é uma das entidades federativas do México com menor nível salarial e com a menor concentração de estabelecimentos produtivos ativos, cenário contrastante com o que ocorre no norte. De acordo com o Índice de Paz México 2016, elaborado pelo Institute for Economics and Peace, Guerrero é o estado mais violento do México, onde as taxas de homicídio vêm aumentando paulatinamente desde 2004.

Neste complexo cenário de violência e consequente descrença social, o Estado mexicano torna-se, portanto, um ator débil.

*Marcela Franzoni é Mestranda no Programa de Pós-Graduação em Relações Internacionais San Tiago Dantas (UNESP, UNICAMP e PUC-SP).

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