Mulher entende de futebol?

Os textos de diferentes autores publicados nesta seção não traduzem, necessariamente, a opinião do site. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.

Bem, amigos queridos! Em pleno mundial de 2018, essa Copa do Mundo não desce nem redonda nem quadrada, porque há muita coisa entalada em nossa garganta canarinho.

 Estamos saindo de um tsnami de corrupção que varreu o país de norte a sul e, recentemente, a paralisação dos caminhoneiros deixou o país desabastecido de tudo. Também de esperança. Aos poucos, porém, a vida volta ao normal. E já achamos o pão integral na prateleira.

Além do descalabro colossal da nossa política nos últimos tempos, não nos empolgamos mais com a seleção brasileira. Os craques atuam todos fora do Brasil e isso nos deixa sem uma identidade, uma referência mais específica. Uma pena. Mesmo assim, um tímido ufanismo aperta nosso peito.

Comecei a me interessar por futebol aos oito anos de idade, no Mundial da Suécia. Porque via meu pai grudado no rádio, os olhos cheios de lágrimas. “O senhor tá chorando, pai?”. “É, mas de alegria”. E porque num domingo maravilhoso, vi meus tios e primos festejarem feito uns loucos, em volta de um rádio ligado. Eles passavam por baixo da mesa, pulavam e se abraçavam.

Um primo mais velho teve a bondade de me explicar o que estava acontecendo. Voltei correndo para casa. Meu pai ria e chorava. “Pai, eu sei o que é tudo isso, o Brasil ficou campeão do mundo, não é?”. Ele me abraçou com uma alegria que poucas vezes vi em seus olhos.

Desde então gosto de futebol, pois o associei à alegria. Não vejo os jogos para admirar as pernas lindas dos jogadores, e sei que não estão posando para uma foto no momento da barreira. Aprendi muita coisa perguntando ao meu lindo que, pacientemente, ia elucidando minhas dúvidas.

Na Copa de 1962, que foi no Chile, eu tinha 12 anos, e então Didi, Garrincha e Pelé eram os ídolos de uma nação apaixonada. Em 1966, aos 16 anos, ouvi do diretor da Escola Normal, onde eu estudava para ser professora: “Amem o nosso país. Ele é lindo. As pessoas que foram para a Copa na Inglaterra nos contam que lá é frio, cheio de neblina e tem um ar triste.” A classe queria ouvir mais, porém ele encerrou aí. Afinal, aquele ano fora terrível para a nossa seleção. Mas já éramos as garotas que amavam os Beatles e os Rollings Stones. Rá tá tá tá…

 Veio a Copa de 1970 no México, eu fazia faculdade e lecionava em escola de zona rural. Havia uma explosão de ufanismo no ar. Não sou aquela torcedora brasileira de quatro em quatro anos. Desde menina, torcia pelo glorioso XV de Novembro de Piracicaba, vendo a paixão do meu pai pelo “Nhô Quim”. Nos tempos de namoro, me apaixonei pelo torcedor são-paulino com quem me casei e também pelo time que ele amava.

Homem sempre acha que mulher não entende de futebol e da regra do impedimento. Nem sempre ela é aplicada com retidão pelo árbitro, que pode se enganar, anular gols legítimos ou marcar impedimento quando há condições legais de jogo.

Meu lindo dizia que a beleza e a graça do futebol residem nos erros da arbitragem, dando faltas demais, marcando pênaltis duvidosos, expulsando injustamente. Ponham um chip na bola e o futebol perderá a graça. Não pode haver esse detalhamento de falhas, em busca da precisão: é vital para o nobre esporte o desempenho limitado do homem imponente de calção preto em seu papel técnico e humano, para o bem ou para o mal.

 Finalizo com minha homenagem ao mais notável dos árbitros na história do futebol: Armando Marques. Rigoroso, folclórico e muito respeitado. Eu o vi já idoso, no Programa do Jô. Faleceu em julho de 2014, no Rio de Janeiro, de insuficiência renal. E com ele morreu o futebol romântico de uma era de sonho.

E para finalizar, pergunto: “Pode isso, Arnaldo?”.

Deixe uma resposta