Myria Botelho, agora em A Província

Os textos de diferentes autores publicados nesta seção não traduzem, necessariamente, a opinião do site. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.

A Província está honrada em receber, a partir de hoje, a colaboração da prestigiada escritora e intelectual piracicabana Myria Machado Botelho, uma das mais ativas, inteligentes e íntegras das mais sólidas lideranças piracicabanas. Myria Machado Botelho acaba de lançar seu novo livro, “Fogão a lenha – retrato provinciano”, com reminiscências da Piracicaba de seus tempos, terra de artistas, intelectuais, guardiã das mais belas tradições. Os internautas irão saborear, em A Província, os textos límpidos, claros, profundos de Myria Machado Botelho, a quem damos as boas vindas, honrados por tê-la como companheira nesta jornada.

Confiram seu primeiro texto:

Crianças, estes seres indefesos

Myria Machado Botelho

Minhas crianças proporcionam-me momentos inefáveis de entretenimento, de graça, brandura e simplicidade.Inteligentes,curiosos e sensíveis, a expressão de cada um, muitas vezes profunda e amadurecida, surpreende e comove. E nada se compara a este convívio doce da inocência; deixo de lado as leituras, os noticiários, a realidade turbulenta, séria e muitas vezes sinistra dos adultos, para entrar em seu mundo encantado do “faz de conta”, dos brinquedos, das histórias em que elas participam, de corpo e alma, inventando,e criando neologismos engraçados, brincando, cantando e dançando, alegrando-se e sofrendo com os personagens , torcendo por eles e até vertendo lágrimas.

A história da pequena vendedora de fósforos, tirada do monumental conto de Dickens, em que a menina morre de frio à porta de um palácio, desejando nele estar no aconchego de uma noite fria de natal, vendo miragens pelas chamas dos palitinhos acesos, arranca-lhes uma grande emoção e um sem número de indagações. “Por que o menino rico levou-lhe os sapatinhos?” “Por que ninguém comprou uma caixinha de fósforo?” “Por que ela não foi à festa?” “Por que ela tem frio?” É difícil explicar para uma criança o porquê das desigualdades e das injustiças.

Muitas vezes, elas nos embaraçam com suas perguntas: “vovó, existe lobo mau?”; “existe bruxa? “ .Para tranqüilizá-las e não turbar a paz interior com aflições precoces, obrigo-me a respostas fantasiosas. Como contar-lhes dos assassinatos sumários de menores? Dos seqüestros? Dos estupros? Da pedofilia infame? Dos maus tratos covardes que levam à morte? Do abandono de criancinhas em caçambas e latas de lixo? Como apontar-lhes episódios dantescos, acontecendo sob nossos olhos, e dizer-lhes, sim, que existem bruxas e bruxos, entregues a fanatismos, a loucuras e maldições.

Os adultos necessitam compreender que a criança deve viver a sua fase tão indispensável como o ar que respira. Ser poupada de seus problemas, de suas conversas e discussões quase sempre grosseiras, estúpidas e agressivas, acusando comportamentos desequilibrados, que lhe apontam um mundo hostil e uma realidade que intercepta o sonho, a fantasia,o desejo e a oportunidade de viver e contemplar, de imaginar e criar. Crianças não são robôs para serem manejados à distância;ela precisa do afeto, da compreensão, do carinho, de pessoas mais lentas em seu cotidiano quase sempre agitado e preenchido por correrias supérfluas, enquanto o essencial, o convívio harmonioso, é deixado para trás ou preenchido pelas drogas de uma Mídia consumista e sem valores, de uma TV, em que até os desenhos animados passaram a ser violentos, salvo exceções bem louváveis.

Nós, os adultos, somos sim, os responsáveis, pela maioria dos distúrbios, dos problemas, das doenças e agressividades, e dos desencantos precoces que hoje atingem tantos pequenos que não tem infância e são manipulados por irresponsáveis, por muitas mães que se projetam nos filhos, desejando seu sucesso, vestindo-os como adultos, exigindo deles um comportamento anormal, e impingindo-lhes, desde cedo, hábitos e vícios pelos quais eles deverão responder por toda a vida.

A lógica simples e pura dos pequeninos não é feita de atalhos; eles são os eleitos de Deus; impotentes e envergonhados com a maldade que ultrapassa de longe a ficção e para a qual não existe uma razão, um sentido, um argumento, uma resposta!

Devemos depor as armas e deixar passivamente que isto aconteça, como um sinal dos tempos? Olho bem nos olhos de minhas crianças: neles existe o brilho da vida, da esperança, a centelha de algo indefinível e eterno! Algo que me comunica a presença de Deus, algo sagrado a ser respeitado, que precisa ser conhecido desde cedo, para que aprendam em Sua escola do bem, aquela que ensina a ser bom e feliz!

 

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