Nada mais quero

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sonhar1Nada mais quero além de sonhar. Não irei além da minha portaria e a soleira da minha porta será o limite da casa plena. Faço do meu canto a diária sinfonia da paz.

Cada móvel reluz a sua história e as fotos nas paredes falam comigo. Digo a todas elas: bom dia! O conjunto de vime na sala, os quadrinhos de arte naif na parede logo acima, abrem-se para acolher quem chega.

Meu abraço ali se estende, junto da cristaleira emoldurada pelas fotos dos casais de noivos. De um lado, meu sogro e minha sogra; do outro, meu pai e minha mãe. Naquela pose em branco e preto da Foto Lacorte.

Os noivos parecem tão felizes nos retratos. Quantos sonhos em seus corações! A parede é o sustentáculo desta felicidade que escapa das fotos, do vestido branco dela, do terno impecável dele, na beleza de um momento que se captou para sempre. Até que a morte os separe.

Ah, como amo as fotos e os porta-retratos. Eles nos contam sobre o que existiu um dia, mostram-nos os nossos amados que já partiram e saúdam os que estão chegando, no eterno ciclo da vida.

Minha casa é o agasalho perfeito para o meu corpo e minha idade. Ando aqui e ali e sei onde guardo o livro de receitas, a caixa de costura, a toalha de Natal. As gavetas estão organizadas, a louça em ordem e o computador a postos.

Se alguém me perguntasse qual a coisa mais importante da vida (depois do amor), eu diria: enxergar. Ver, ter dois olhos e a visão perfeita. E depois disto? Eu diria que é andar. Sem poder andar não sei vai a lugar nenhum e a dependência é inevitável.

Contudo, creio que a visão é, dos cinco, o sentido mais importante, o mais vital. Enxergar e ser dono de cada passo, dirigindo-se com segurança ao nosso desejado destino: eis a glória suprema. Não queremos pensar no dia em que sofreremos a dependência, a incapacidade, a invalidez. Tentamos prolongar ao máximo a saúde, a agilidade física e a boa qualidade de vida.

Por isso, nosso olhar especial e carinhoso aos portadores de deficiências, solidários que somos em suas lutas e esforços.

Fazer caminhadas, exercitar-se, ter uma alimentação equilibrada e saudável, fugir da bebida e do cigarro são recomendações que muitos tentam levar a sério. E se elas forem a garantia de saúde e longevidade, Deus seja louvado.

Que a “indesejada das gentes” nos pegue em estado de graça. Que nosso julgamento perante o Pai seja leve, a fim de merecermos dignamente a coroa da glória.

Temos a sensação de que somos eternos. A cada adeus, a cada condolência oferecida, assalta-nos a certeza de uma partida. O direito ao descanso em paz, à mortalidade.

Contudo, ninguém deseja a decrepitude, a finitude dos sonhos e dos sentidos, tampouco a decadência do corpo e da mente. Aspiramos a um futuro, seja aos vinte, seja aos setenta. É esta esperança, esse olhar à frente o ponto culminante em qualquer fase de nossas vidas.

Nada mais quero além da saúde do corpo e da alma. Nada mais desejo além da paz benfazeja que penetra pela janela tão logo se acende o dia. São pequeninas joias cuja preciosidade só o coração conhece.

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