Não volta mais!…

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Quero-de-voltaUma amiga querida, cumprimentando-me pelo texto anterior, “Férias de julho”, escreveu-me um e-mail lindo, recordando uma ventura que não volta mais: “Vem a saudade de um tempo quando se podia andar sozinha na rua, sentava-se na calçada e proseava-se até altas horas”.

Ah, que tempo maravilhoso! Quem o viveu sabe como foi e não o esquece. Tempos em que os parentes e amigos se visitavam. Sim, havia a visita. Era um ritual sagrado, cumprido com devoção. Servia-se um café, um bolo, uma rosca de trança, tudo feito em casa, com muito carinho e simplicidade. Os compadres e as comadres punham a conversa em dia, enquanto a meninada se esbaldava na rua, sem perigo algum.

Foram anos de muita beleza, quando não havia internet, celular, WhatsApp, redes sociais e toda esta tecnologia ambígua que nos aproxima e nos afasta, faz de cada um de nós um ser solitário dentro de nossas casas, com uma legião de amigos que não conhecemos, enviando flores virtuais, mandando abraços e beijos que nunca chegam de verdade, porque percorrem milhas de frieza digital.

Não se pode discutir a importância do universo tecnológico em que estamos mergulhados atualmente. Até porque gostamos dele, facilita a nossa vida. A comunicação é rápida, tudo se processa de forma admirável, a informação possui grande precisão, fundamentada em fatos que se comprovam por meio de todo este aparato fantástico.

Contudo, deixo o celular de lado e quero sonhar um pouco. O tempo que passou não volta, é certo. Mas nosso coração está lá, na infância querida, nos anos dourados da juventude que saía pelos poros! As serenatas dos nossos pretendentes, os bilhetes, a rosa jogada no terraço da casa, guardada com zelo apostólico, as pétalas bem conservadas dentro dos livros e cadernos.

Mas nada se compara ao belo tempo da meninice! Meus primos e eu jogávamos peteca, bola, e pulávamos corda até tarde da noite, ali na rua. “Batalhão, união, quem não entrar é um bobão”. Os cavalarianos passavam, lembra? Aqueles soldados imponentes, os cavalos imensos, altos! As ruas eram de paralelepípedos e as ferraduras dos animais faziam um barulho típico, no trote. Eu morria de medo! Era hora de guardar a corda, a bola, e entrar. Havia uma lua no céu!… E a menina buscava a face primitiva de Deus.

Tudo era sonho. A mãe mandava “lavar o pé”. Temos dois, graças a Deus, mas a ordem era esta mesmo: “Vai lavar o pé antes de deitar”. A cama era um porto seguro. Era proibido ter maus pensamentos, era proibido ficar doente, era proibido não adormecer com a alma em chamas. O futuro nos esperava em alguma daquelas noites maravilhosas. Numa prova de matemática com boa nota. No alto da mangueira frondosa. Nas missas do domingo, assistidas com fervor e fé!

Os cinemas aos sábados! As comédias românticas com Rock Hudson e Doris Day. Os filmes italianos. As paisagens de tirar o fôlego. Música de Henry Mancini. Os faroestes, John Wayne e toda uma constelação de atores naquele cenário seco, pedregoso, os índios atacando, os cavalos que subiam e desciam por desfiladeiros, a poeira entrando nos nossos olhos. Zero-zero-sete. Ah, os agentes tão incrivelmente equipados, quase mágicos. Aquilo tudo nos fazia sonhar.

Uma geração inteira não conhecerá a magia do cinema, ficar de mãos dadas com o namorado, trocar um beijo assim que a luz se apagava. E o nosso hálito perfumado com as balas de anis! Não há Netflix que substitua este encanto, esta graça benfazeja, a delícia de um tempo inesquecível, adoçada pelas balas do seu Passarela, ali ao lado do Cine Politeama.

Não, meus anjos, meus queridos! Não volta mais!…

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