No grito
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A imprensa estima cerca de 3 milhões de pessoas nas ruas no último dia 13 de março. E tudo na maior paz. Coisa raramente vista nas passeatas feitas por movimento sociais reivindicatórios – talvez porque o confronto com a polícia seja inevitável, já que se na do dia 13 como sempre ela vai para proteger os manifestantes, nas de movimentos populares ela vai preparada para reprimir e dispersar. Pode ser também que baderneiros pagos se infiltrem a fim de desmoralizar tais atos porque enquanto têm objetivos concretos – salários, condições de trabalho, etc. – as dos 3 mi são dispersas e genéricas.
Vi manifestantes dizendo que ali estavam lutando por um Brasil melhor, como se um ato de três ou quatro horas fosse suficiente. Talvez pensem que basta ir pra rua gritar para que algum poderoso ouça, e então num passe de mágica tudo mude. Provavelmente se o Brasil precisar do tempo, do suor e do sangue dessa gente, ficará na mão. Se o país avançou em questões de justiça e ética até agora não foi no grito. Foi à custa da resistência e do sofrimento de muita gente, sempre pobre, claro.
“A vida só pode ser compreendida olhando-se para trás, mas deve ser vivida olhando-se para frente”. Niels H. David Bohr (1885 – 1962). Parafraseando esse físico dinamarquês, cujos trabalhos contribuíram para a compreensão da estrutura atômica e da física quântica, precisamos olhar para trás a fim de compreender nossa realidade.
O Brasil foi colonizado por um povo de mentalidade tacanha. Nada de livros, escolas públicas, bibliotecas, instituições, organizações, comércio, indústrias, etc. O que havia de Educação era de responsabilidade dos jesuítas, que sofreu um grande recuo com sua expulsão em 1759 pelo Marquês de Pombal. Várias escolas foram fechadas e as bibliotecas dos conventos destruídas. Portugal nos pisava o pescoço. Saqueou o quanto pode e mandou para nós o pior. Tentativas de enfrentamento foram esmagadas sem piedade. Para não perder o território loteou-o entre nobres portugueses ausentes, dando assim origem ao nefasto latifúndio, que vigora até hoje.
Só para se ter uma idéia, Caiado, deputado federal (PSDB), declara ter sete fazendas no interior de Goiás. (Folha 18.05.15). No Tocantins, um dos maiores celeiros de grãos do Brasil, 172 mil famílias penam para pôr comida na mesa. O número de milionários no Estado cresceu 510% na última década. 61 é o número de milionários atualmente. 38% das famílias do Estado têm dificuldade para se alimentar. Diz Maria de Lourdes Gomes, 59 anos, mãe de 12 filhos: “Antes a gente plantava arroz, feijão, milho, abóbora. Mas agora não. O espaço está pouco demais por causa das fazendas, estamos cercados”. (Folha 07.06.15). É justo? Dos americanos fomos os últimos a ‘abolir’ a escravidão, cujos resquícios perduram em fazendas, fábricas e alojamentos insalubres.
Voltando ao assunto, as coisas só começaram a melhorar no Brasil a partir de 1.808 com a chegada da família real fugindo de Napoleão. Imaginem com que raiva aqui aportou. Foi logo requisitando as melhores casas para abrigar os piolhentos da corte e demais membros da falida elite portuguesa que vieram com D. João. Foi a primeira ação de despejo em massa de nossa história.
Ninguém veio aqui a fim de construir uma nação. Vieram fazer a vida, levar vantagem e encher a burra. Essa mentalidade perdura. Basta ver o escandaloso abismo social que separa morro e asfalto no Rio; os condomínios de luxo e a mentalidade predatória de grande parte do empresariado brasileiro.
Fomos gerados no berço da injustiça. Avançamos, mas falta muito ainda. Sair às ruas exigindo ética dos governantes é melhor que ser omisso, porém caçar culpados e eleger heróis que salvem a pátria é coisa de gente mimada. Passa da hora de cada um assumir sua responsabilidade e começar a cuidar do Brasil a partir de sua rua, sua cidade, sua família e principalmente mudando a própria cabeça.