O Universo respira

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images (3)Abro a porta que dá para o terraço e respiro. Respira comigo uma borboleta que voa insegura o seu voo inaugural. Trêmula, pousa suas asas amarelas nas folhagens ao canto e sonha. Suponho que sonhe.

Respirar é algo vital. Tudo respira o tempo todo, pulsação contínua. Quando nos sentimos exauridos, extenuados, como se uma força não identificada nos sugasse toda a energia, é bom respirar profunda e lentamente. Aos poucos, este leve exercício nos devolve o vigor perdido.

Ali, na bendita área externa da casa, respirando a manhã que viceja nas asas de uma tímida borboleta, veio-me à mente a apaixonada visão que Giordano Bruno tinha acerca do universo e sua respiração. É inconcebível que alguém tenha sido condenado à fogueira por pensar que as coisas respiram. Celebro estas mortes dolorosas, dirigindo a elas o meu atrevimento de livre pensadora – bem eu, que vivo no século 21 e posso respirar quanto quiser. Posso?

Para quem pouco conhece a respeito de Giordano Bruno, aviso que também eu pouco sei. Mas sei o que estudei e o que li. E o filme que vi, há muitos anos, cujo título leva o seu próprio nome, “Giordano Bruno”, me ajudou a compreender que ali estava um iluminado.

Giordano Bruno viveu nos anos obscurantistas da história, que caracterizaram a Idade Média. Ordenou-se sacerdote e recebeu o grau de doutor em Teologia, em 1575. Foi para a fogueira em 1600. Era um teólogo, cientista que sofreu as perseguições da época. Suas idéias abalaram os rígidos alicerces da Igreja medieval, reconhecida por seu caráter fechado, pouco afeito às conquistas do pensamento.

Para a Igreja, algumas questões além da Teologia estavam concluídas e fechadas. Giordano envolveu-se com a ciência, pensava em termos de perspectivas científicas, o que desestruturava as bases da fé. Enquanto a Igreja se fechava em normas e dogmas, Giordano Bruno propunha uma outra visão de religiosidade, uma reforma para unir a cristandade, por meio da livre pesquisa e não pelo dogma.

“O universo está em constante mutação”, afirmava Giordano. Em sua concepção, Deus era visto como “alma e princípio ativo do mundo”. Para o pensamento religioso medieval, o universo era estático, e Giordano considerava que as manifestações do universo são manifestações divinas.

No filme “Giordano Bruno”, há uma cena de profunda sensibilidade teológica, em que ele está explicando seu pensamento a um cardeal e afirma que a Igreja tem pedido aos fiéis que “renunciem aos sentidos, que apague-se o fogo da inteligência, que se seja pobre de espírito e humilde”. Giordano comenta com o cardeal que todos eles, religiosos daquele tempo, aprenderam isso como religião.

Uma outra cena do filme, envolvente, é quando Giordano contracena com uma garota. Ele diz a ela que “as árvores, os animais e toda a máquina da terra tem um respiro interior, como nós”. A frase soa belíssima naquele mundo repressivo em que era mandado à fogueira quem ousasse afirmar que a Terra era redonda e girava em torno do Sol.

Giordano pensou o homem e o universo em sua grandeza e finitude. O homem frente ao universo que respira. Respirar é mais que o gesto humano de abrir uma janela e aspirar o dia. Respirar a vida é compreender que existe uma sintonia intrínseca entre o homem e o cosmo e que o homem, na sua natureza humanística, é propenso a uma espiritualidade que o liberte de suas próprias amarras existenciais.

As idéias de Giordano Bruno vêm reforçar o conceito de que há uma energia universal pulsando em todas as coisas. Esta energia é que nos faz sensíveis e solidários uns com os outros nas nossas atitudes diárias. Porque todos nós respiramos. Respiro a humildade desta prática abençoada, a crença no dia-a-dia, cotidiano tecido pelas incertezas e lutas, feito de grandezas e misérias, construído com a perplexidade de nossa arfante caixa toráxica respiradora.

Respiro a bondade e o mistério de Deus, Suas inspirações para todos nós, a beleza de uma criação que ainda não se concluiu. Universo em constante mutação, seguindo as influências cósmicas que nos afetam de alguma forma.

Ao cardeal Belarmino, que o condenou à fogueira, Giordano, também deve ter dito baixinho: “Eppur respira”.

1 comentário

  1. Dilermando de Mello em 13/04/2019 às 14:52

    E se o universo fosse um ente vivo que respira e inspira igual nós, e que estamos presenciando o momento de sua expiração que começou com o Big Bang e que acontecerá, sem imaginar tempo, o momento que começar a inspiração, quando ele começar a encolher até chegar em seu status de antes do Big Bang,ou seja a pura energia? E que o mundo manifesto é uma pura fantasia do ser humano, que vive baseando tudo em seus sentidos, enquanto que tudo que existe manifesto passa a ser formas diferentes de energia.

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