ÔI, MEU PAI…

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RomeuItaloRipoli

Caetano Rípoli, também falecido, publicou o seguinte texto no 20º Aniversário da morte de seu pai, Romeu Italo Rípoli. Voltamos a publicá-lo quando se celebra o 30º. Aniversário do falecimento do ex-presidente do XV:

 

 

 

…hoje faz 20 anos que você faleceu em meus braços, tendo ao lado o Marcelo Trica, que o assistia. Num sopro de voz você me disse “cuida de tua mãe” e seu coração parou. Nós dois choramos abraçados a você. Nestes vinte anos você faz uma falta danada! Hoje, minha “conversa”, contigo, é pública. Por que pública? Não sei. Talvez para prestar-lhe minha homenagem, como filho e como caipiracicabano. Talvez para recordar à cidade, que foi sua vida, que você não passou em branco por ela. Para quem não o conheceu, cito, literalmente, o Cecílio Elias Neto que escreveu no saudoso “O Diário”, há uns 30 anos: “O Ripoli é superlativo nos defeitos e nas virtudes”. Perfeito! Claro, você também foi tachado de louco, de caipira metido a besta, etc. por cronistas da capital, nos tempos em que o “XV”, nas suas mãos, chegou ao vice-campeonato paulista, a oitavo colocado no campeonato brasileiro; fez uma excursão à Europa e Ásia (quando só Santos e Flamengo iam ao exterior); não tinha dívidas; iniciou a construção da Cidade dos Esportes. É, foi você, “caipira metido a besta”, quem conseguiu junto aos militares que mandavam no país, o parcelamento das dívidas dos clubes de futebol, junto ao INSS. É, você, nos tempos da TV Tupi, peitava os  jornalistas da capital, em defesa do seu “XV” e dos clubes do interior. Você dava um incrível “ibope”. Você era “arroz de festa” na Gazeta Esportiva, no Diário Popular, na Revista Placar. Sempre polêmico, brigador. Que capacidade incrível de arranjar admiradores…e adversários! Até hoje, você é lembrado pelo Milton Neves e outros cronistas. O citam como exemplo positivo no futebol.

Lembra-se, pai, da “loucura” que você cometeu em 64, no jantar de despedida oferecido, em Moscou, pela Federação Russa, à nossa delegação? Você, à frente de 50 pessoas falou ao tradutor: “Não mude uma vírgula do que vou dizer. Saberei se estará traduzindo literalmente ou não pelas reações destes dirigentes”. E aí, meu velho, você fez… a apologia do capitalismo! De dedo em riste e olhar intimidador (seu jeitão de sempre). Eu, com meus 17 anos, chorei, achando que iríamos ser presos pelos “comedores de criancinhas”. Os jogadores, também assustados e os russos…bem, os russos não aguentaram muito tempo. Lembro-me, da expressão do pobre tradutor. Estava apavorado! Você acabou seu discurso falando sozinho, pois os anfitriões, espumando, deixaram a mesa. Apologia do capitalismo, dentro de Moscou, no tempo da guerra fria! Só você mesmo. Sabia que estava coberto pelo manto de uma excursão futebolística de um clube vindo de um país, até então, bicampeão mundial. Abusado!

Loucura maior você fez em 75. Eu morava em Maceió e o XV foi jogar com CRB pelo “brasileiro”. Por meu intermédio você havia emprestado um atleta. No aeroporto, entrevistado pela TV Gazeta, “já mandou ver”: ”Vim aqui para ganhar do CRB e cobrar uma dívida! Não saio sem o dinheiro do XV! O Presidente do CRB é caloteiro”. Eu “gelei”! No carro disse-lhe, “pai, isto aqui é Alagoas. Eu moro aqui, pô!”. Você nem ligou. À noite, uns 15 minutos após o noticiário local, o Presidente do CRB chega em minha casa feito “o cão chupando manga com dois picolés debaixo do braço, a meia noite” (expressão alagoana com significado pior que “puto da vida”). Após os impropérios iniciais ele emudeceu, pois, você estava gargalhando. Daí, pai, você disse para o Presidente:”Vai lá na TV e nas rádios,  me malhe também e convoque sua torcida para o jogo. Vamos ter casa cheia…”. Dito e feito, dois dias depois o XV jogou com casa cheia e você voltou para Piracicaba com o dinheiro do empréstimo. E eu fui convidado para ser diretor de esportes aquáticos do CRB…

Voltando, mais ainda, ao passado, no ano em que o XV foi o primeiro campeão da Lei do Acesso, lá pela década de 40, foi você quem coordenou a construção das arquibancadas do “Estádio do XV” (hoje um supermercado). Lá por 1953-54, quando Pira iria receber os jogos Abertos do Interior, mas não tinha ginásio coberto, foi você quem montou uma comissão que construiu o atual Waldemar Blatkauscas.

Mas, pai, você fez outras “loucuras”, fora da área esportiva, que me vem à lembrança. Foi você quem coordenou uma equipe para arrecadar dinheiro e construir a Maternidade da Santa Casa, não foi? Foi você, no início dos anos 50, com  recursos pessoais, instalou aqui em Pira a primeira retransmissora de televisão do Brasil. Lembra-se? Retransmissora da TV Tupi, de São Paulo. E a Sobratel? Nome que você deu para uma minúscula fábrica de televisores, para competir com os importados. Quanta pretensão! Você sempre foi um sonhador. Sempre pensava grande. Como foi grande a concretização de um de seus sonhos. Com apoio de Mário Dedini você deu a Piracicaba o primeiro bairro residencial, a Cidade Jardim. Isso em 1950! Creio que foi também o primeiro asfalto que a cidade conheceu. Aliás, você precisava estar aqui para ensinar a Prefeitura como fazer asfalto de qualidade. Até hoje, o “seu asfalto” continua em ordem naquele bairro.

Quanto a você, meu pai, enquanto animal político que foi, o Cecílio  em seu livro sobre a história política de Piracicaba já referenciou. O que me marcou, ocorreu em 1968. Estava  em aula, naESALQ, quando me avisam que algo se passava em casa. Alguém me dá uma carona. A casa estava cercada de soldados armados de rifles, metralhadoras…oscambau! Para entrar tive que me identificar e fui escoltado por dois “meganhas”. Minha mãe sentada a seu lado, abraçada a Beth, chorava um choro contido. Você, com ar de revolta tentava argumentar sobre o que ocorria, mas o “milico” a seu lado, segurando uma pistola só dizia: “Cumpro ordens. Você é acusado de burlar imposto de renda. Cale a boca!” A casa estava um caos! Soldados reviravam tudo: gavetas, armários, quadros, almofadas, poltronas. Eu chorei de medo. Outras famílias piracicabanas também foram alvo desta agressão. Era o auge da repressão política, da censura militar, do autoritarismo. Você era Presidente da Câmara Municipal. Durante quase dois anos você tinha que se apresentar num Batalhão, em Campinas, para  “depoimentos”. Fui uma vez contigo. Que depoimentos, que nada! Verdadeira tortura psicológica. Até que você sucumbiu. Era a primeira vez que eu via meu pai-herói entregue, com medo dos dias seguintes.  Adoeceu. Dois anos passados e os milicos não conseguiram provar nada, mas conseguiram que você renunciasse ao mandato.  Imaginei que você, meu pai, estava acabado. Muitas noites eu chorei de raiva, de revolta, de pena de você e de mim mesmo.

Mas, em 1972, feito a Fênix, você renasceu! Assumiu o XV que estava em situação pré-falimentar e voltou a ser o brigador, o bocudo! Pai, foi mais uma lição de vida que você me deu! Até 1983, quando o câncer de pulmão o pegou, eu continuei aprendendo com seus acertos e erros. Obrigado, Romeu Ítalo Ripoli, por você não ter sido apenas um número de CPF num país onde, a mediocridade de governantes e a passividade das elites, impera de longa data. Obrigado pai, por me ensinar que, antes de um profissional, deve existir um cidadão que lute por sua cidadania. Só não o perdoo por ter nos deixado tão cedo. Espero reencontrá-lo um dia.

2 comentários

  1. Bianca Ripoli em 29/10/2013 às 23:03

    Obrigada equipe da província, nossa família agradece! abraço a todos.
    Bia Ripoli

  2. Betth Ripoli em 30/10/2013 às 12:25

    Ha 30 anos perdeu-se um grande homem, um idealista , um politico que, de fato , se dedicava ao povo a ponto de doar sua verba de representação na câmara para obras sociais.
    Lutou pelo XV de Piracicaba como ninguém e morreu por ele.
    Se no mundo , no Brasil ou em Piracicaba existisse uma legião de Romeus Ripoli, certamente estaríamos bem mais amparados.
    Esse Romeu eu tive o prazer de desfrutar. Era o meu pai. Que deixou o maior legado que um pai pode deixar a um filho – a sua biografia, o seu exemplo de lutador e o ensinamento de como ser uma uma pessoa ética, guerreira, compromissada.
    Meu pai querido, choro hoje de saudade e agradeço as lições de vida que me deixou.
    Sem sua orientação eu seria menos!
    De onde estiver e sei que ainda me guia, receba meu amor e gratidão. Betth Ripoli

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