Para guardar no coração
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Há coisas belas demais e que não podem nunca ser descartadas. Possuem um significado especial e delas não conseguimos nos livrar de modo algum. São caixas cheias de saudades, guardados que dizem respeito somente a nós e ali permanecerão, até que, depois da nossa partida, os filhos ou um irmão querido venha a nossa casa fazer a limpeza de praxe…
Temo por esta limpeza. Assim, mantenho tudo em rigorosa arrumação, pois quero que encontrem ordem e organização nos meus armários e gavetas. Estas tarefas fazem parte da vida e pensar nelas me dá um calor maravilhoso no coração.
Há muito a ser preservado enquanto vivemos. A mesa da sala de jantar e sua história de décadas. A abençoada bandeja de inox que serviu tanto e continua tendo sua utilidade no universo doméstico. Todos os retratos na parede, todas as fotos em branco e preto, ainda não emolduradas. Sim, como doem!… Mas estão ali, ao nosso alcance, testemunhando um passado de sonho.
Guardei os lenços do meu lindo. Guardei a carteira com os documentos e até a carteirinha do plano de saúde. Conservei comigo dois casacos, um deles bem grosso de lã, presente meu a ele. Nestes dias frios, tem me agasalhado a alma.
Guardo algumas coisas essenciais. Para tocar e sentir na pele a saudade, a força de um tempo que, se não volta mais, pelo menos é revivido na memória como pequenas joias de afeto e beleza.
Onde mais guardar, senão no coração, estes tesouros que cada um conhece muito bem? O coração é a casa do amor, a profunda morada do bem e da bondade. É nele que repousam as nossas relíquias mais importantes, ainda que não mais existam fisicamente.
Ao longo da vida, algumas coisas vão se despedindo de nós, deixando de existir, por diferentes motivos. Um dia, tivemos um bem material que nos foi muito caro; uma bicicleta com marchas, com a qual nos divertimos; uma casa muito bem decorada e cheia de quadros; livros, livros e mais livros; colchas bordadas, porcelanas, muitas malas, bolsas e sapatos.
O tempo passa e já não precisamos de muita coisa. Diminuímos visivelmente os objetos à nossa volta. A casa passa a se chamar “aconchego” e nela cabe o necessário. Tudo o mais, está guardado no coração. Mas a cristaleira majestosa que a sogra deu de presente ainda compõe a sala, alvo de lindos suspiros e comentários.
Assim é a vida. Tempo de juntar e tempo de lançar fora. Tempo de rir e tempo de chorar. Tempo de compreender que as lembranças são nossa maior riqueza, sobretudo se a sorte de uma vida bonita foi o mais belo presente de Deus.
Então, guardemos essa vida no coração. Guardemos os anos 60, a margarida, os festivais de música, as guitarras agudas e os hinos libertários dos nossos ídolos. Com respeito e amor, guardemos.
Guardemos a pantalona colorida, o chinelo de couro, a blusa de gola rulê canelada e os livros da faculdade. Guardemos o início da vida profissional, o primeiro emprego, o noivado, o casamento, os filhos e a dívida de viver. Honradamente, guardemos no coração.