Paul Singer, um revolucionário pragmático a serviço da Economia Solidária

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paul singer

Foto: Reprodução Google

Uma das principais críticas aos economistas e à Ciência Econômica é o distanciamento entre teoria e prática. Seja por causa de suposições lógico matemáticas em modelos cada vez mais complexos e específicos, seja pelo apego a velhas e imutáveis teorias econômicas. Todavia existem aqueles profissionais “fora da curva”, pragmáticos, que enxergam a ciência como praxis, como uma ferramenta capaz de melhorar nossa realidade. Dentro desse universo de teorias, de metodologias e de conceitos, a área de Economia Solidária é com certeza uma das que mais se destaca pela robustez teórica e efetividade prática.  Ela trata do conjunto de atividades sociais, econômicas, políticas, ecológicas e culturais de produção, de organização, de distribuição, de consumo, de poupança e de crédito, estruturados sob a forma de autogestão e centrada na valorização do ser humano e não somente do capital.

No Brasil, o grande nome da Economia Solidária foi Paul Singer que faleceu este mês, no dia 16/04. Nascido em Viena em 1932, Paul Israel Singer chegou ao Brasil em 1940. Sua família, de origem judaica, foi obrigada a fugir dos horrores do regime nazista.  Em São Paulo, Singer encontrou acolhida no movimento juvenil judaico sionista-socialista, kibutziano Dror. Em 1951, Singer formou-se em eletrotécnica no ensino médio da Escola Técnica Getúlio Vargas de São Paulo, exercendo a profissão entre 1952 e 1956. Nesse período, filiou-se ao Sindicato dos Metalúrgicos de São Paulo, militando no movimento sindical. Como trabalhador metalúrgico, liderou a histórica greve dos 300 mil, que paralisou a indústria paulistana por mais de um mês, em 1953.

Posteriormente, cursou economia na Universidade de São Paulo (USP), ao mesmo tempo em que desenvolvia atividade político-partidária, no Partido Socialista Brasileiro (PSB). Em 1959, obteve o bacharelado em economia e em 1966 o doutoramento em Sociologia também pela USP. Nessa fase, Singer já estava atuando como professor, porém nunca se afastou do movimento sindical e da militância política. Em 1968, Singer conquistou sua livre-docência pela Universidade de Princeton nos EUA.

Entre 1969 e 1988, Singer, impedido de lecionar na USP pela ditadura civil-militar brasileira (1964 – 1985), encontrou espaço para suas pesquisas no Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (CEBRAP).  Em 1980, foi um dos fundadores do Partido dos Trabalhadores (PT).  Assumiu o Departamento de Economia da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Entre 1988 e 1992, foi Secretário de Desenvolvimento Econômico da Prefeitura de São Paulo e, posteriormente, Secretario Nacional de Economia Solidária (Senaes) de 2003 a 2015.

Singer foi um dos maiores economistas brasileiros ao juntar a teoria com a prática em forma de ação política transformadora. Para ele a democracia praticada no interior do sistema capitalista é o caminho mais efetivo em direção do socialismo. Apesar de uma proposta completamente oposta à capitalista, a Economia Solidária apregoa que é possível que o capital e o trabalho atuem de forma cooperativa e não conflitiva. Para Economia Solidária é viável um organização social-política-econômica sem a exploração do trabalhador via mais-valia, sem alienação do trabalho, ou seja, a racionalização da sociedade e da economia em princípios morais e não somente materiais.  Nessa relação de produção, o assalariado transforma-se no trabalhador ou no cooperado que tem responsabilidade total, não individual, mas coletiva pela produção.

Enquanto na empresa capitalista de Economia de Mercado é aplicada a heterogestão (administração hierárquica), nos empreendimentos de Economia Solidária aplica-se à autogestão: prática de tomada de decisão coletiva, onde todos os sócios têm o direito de decidir às estratégias, a gestão do trabalho, a direção e a coordenação das ações da empresa solidária. No modelo de produção capitalista da Economia de Mercado, as relações patronais norteiam as relações de trabalho, isto é, um dono ou mais e seus empregados em uma relação burocrática, centralizada e vertical. Já na Economia Solidária, os empreendimentos formam-se a partir das necessidades dos seus membros e com a responsabilidade de manutenção da subsistência de suas famílias, sendo o excedente comercializado. A relação entre os cooperados, trabalhadores é adhocrática, distributiva e em redes.

Na Economia Solidária, os trabalhadores unem-se em forma de associação ou cooperativa a fim de tentarem mudar suas realidades e a realidade daqueles que partilham das mesmas necessidades. Essa estrutura de propriedade é complexa à medida que as decisões devem ser tomadas de forma conjunta por todos os membros do empreendimento. Todos são responsáveis pela gestão, ou seja, implicitamente quanto mais complexa a estrutura organizacional, maior será o empenho para a construção das redes de gestão do empreendimento.

Apesar de todas as complexidades e obstáculos dessa proposta, é inegável que Paul Singer, revolucionariamente, vislumbrou o caminho para a emancipação do trabalhador e a desalienação da força de trabalho. Para Singer, os novos e positivos sentidos do trabalho, da autogestão, da democratização do capital e do processo de organização laboral proporcionariam a superação do sistema capitalista por meio da propriedade coletiva dos meios de produção.

Atualmente, graças a esse grande intelectual e militante, professores, pesquisadores, técnicos, pequenos produtores urbanos e rurais levam adiante a ideia de que outra forma de economia é possível. Se os economistas, em geral, são classificados como distantes da sociedade e prolixos nos argumentos, esse com certeza não foi o caso de Paul Singer. À frente da Senaes coordenou quase 500 mil famílias assentadas e quase sua totalidade praticando algum tipo de cooperativismo. Em virtude de sua teoria e práxis assentamentos foram viabilizados economicamente e trabalhadores tiveram acesso a terra, saúde, educação e formação, desenvolvendo cadeias produtivas baseadas na comercialização solidária e no comércio justo.

Singer faleceu, 86 anos depois, em um país onde há uma escalada de violência e de intolerância, inclusive a imigrantes, como Singer um dia foi. Um país que está absorvendo valores como meritocracia, competição e individualismo, perdendo, assim, a capacidade de cooperação, de coletividade e de solidariedade, que um dia Singer enxergou como potencial desenvolvimentista na nossa sociedade. O trabalho e o legado de Singer, desse modo, nunca foram tão necessários. A Economia Solidária, os estudos de desenvolvimento urbano e demografia ajudam tanto os intelectuais a pensarem e a pesquisarem novas estratégias e possibilidades quanto, também, impactam diretamente àqueles mais necessitados economicamente. Por meio da Economia Solidária, Paulo, como gostava de ser chamado, encontrou fundamentação teórica e prática para compatibilizar valores solidários (empatia, cooperação, comprometimento) com um modelo de produção mais justo.

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