Pela janela da vida
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Vejo o mundo por muitas janelas, sobretudo por meio da internet. Nela viajo distâncias incríveis, conheço lugares paradisíacos diante da tela do computador. Vou selecionando sites, procuro praias desertas e cidades costeiras onde habitar com segurança. Encontrei lugares lindos, tanto mar, tanto mar. E um céu azul de cortar a carne. Cenário de peixes inspirando as janelas interiores.
Mas, recebo um PPS lindo da Groenlândia e desisto de morar à beira-mar. Apaixonei-me pela paisagem de neve e de sonho lá quase perto do Oceano Glacial Ártico. Mas é preciso coragem para viver em meio a tanto gelo e frio. Brincadeira, não trocaria uma praia linda e deserta por nenhum outro lugar neste mundo.
Pela janela da vida, do alto de seis décadas, já vi algumas coisas, guardadas nas retinas impregnadas de sonho. A infância e os quintais, os domingos pelos sítios, os pés de frutas nos quais sempre elegi o galho mais alto de onde avistava a lonjura que me esperava sempre.
Cada horizonte visto de um rústico mirante era o êxtase da alma pequenina. Alma consciente de sua dignidade para arrancar da vida o que fosse nobre e necessário. Tirar somente a parte que nos cabe, lançando para o derredor um olhar de respeito e afeto.
Estas coisas lindas foram aprendidas com meus pais. Eles nos ensinaram a usar até o fim o que tínhamos comprado. Não descartar facilmente. Não comprar algo novo só para ter mais um. E um professor de Matemática me deu esta lição: lembrar que as coisas tidas já foram desejadas. Seu Sebastião de números bordados com o giz e muita sabedoria.
As janelas da vida se abrem para mim todos os dias. Tudo é um acontecimento quando se tem uma chama acesa no peito, a atenção amorosa para o que nos cerca e nos solicita de instante a instante. Podar o jardim, arrumar uma gaveta, escrever um texto. Uma saída de carro, a chegada ao destino agendado, uma parada na Igreja dos Frades para um momento de Adoração e, no final do dia, a aula de Pilates. Que dia! Tudo isso constitui um movimento de riqueza infinita, conectando mente e corpo.
De volta para casa, um banho quente, o cabelo lavado e perfumado de creme. A cozinha reluz e cheira tão bem. Dá até pena tirar dela este brilho silencioso. Lembro de alguém que, para não sujar a cozinha à noite, comia sempre uma maçã… Bolacha água e sal nem pensar, os farelos poderiam cair no chão.
Ah, abençoada casa, abençoadas janelas da vida, por onde vemos tudo passar, acontecer. Os amores, as paixões, os sonhos, as esperanças. A sala de jantar que já reuniu os amados. Tantos já partiram, mas deixaram em sua memória as digitais da saudade e do amor.