Peter Pan
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Não sem razão, pouco tempo atrás, Joaquim Barbosa era visto como salvador da pátria pelo seu desempenho no Mensalão. Agora o juiz federal Sérgio Moro é aclamado país afora por sua implacável atuação no caso Petrobras. É o novo herói nacional. Claro que merece, pois honra o cargo que ocupa; apesar de fazer não mais que a obrigação, afinal para isso se preparou. Além disso, ganha muito bem e tem à disposição poderosa estrutura de apoio. Caso quisesse se candidatar a presidente da república ou a qualquer cargo eletivo iria bombar. Só daria ele, mesmo que nada entendesse de administração pública, ou fosse um ditador, que parece não ser o caso.
Avançamos bastante, contudo o povo brasileiro parece vítima da síndrome de Peter Pan. Em sua cabeça continua rodando os desenhos animados da infância, quando em situação de caos e de injustiça aparecia alguém que salvava todo mundo. Ninguém precisava fazer nada. O super-herói dava conta.
Em minha opinião, povo que produz mártires ou precisa de heróis para enfrentar suas mazelas está ainda na fase tribal ou de bando, não de nação no sentido de comunidade com querer coletivo. Tanto que se um cidadão desses pisar na bola acaba virando como aqueles bonecos de Judas, que a gente derrubava do pau-de-sebo no domingo de Páscoa e saia arrastando pelas ruas até virar farrapo. Assim fizeram com Lula e Dilma, para ficar nos mais recentes.
A História do Brasil – grosso modo falando – é uma história de falcatruas. Esse jovem país vem sendo saqueado desde o começo. Quem ficou muito rico ficou porque bajulou, roubou, explorou e até matou. Quatrocentos anos de escravidão, por exemplo, transformaram crápulas em elite. Estão aí até hoje. Os golpes que aconteceram foram golpes dos que viram seus privilégios em risco. O de 64 foi um deles. Os levantes populares por um país mais justo e equânime foram destroçados. Palmares, Canudos são emblemáticos. Em roda de privilegiados não cabe “gente feia”. Nossa elite é incapaz de entender que quanto mais gente à mesa menos violência.
Essa mentalidade do “quem pode mais chora menos” contaminou de vez o já esgarçado tecido social. Não perder chances de vantagem pessoal e de pegar antes que outro pegue viraram norma. Gentileza, desprendimento e primazia de direitos coletivos de tão raros viram notícia. Para quem concentra riqueza e poder, demandas coletivas indicam ameaça. Por isso nossas leis garantem muito mais os interesses individuais.
Progresso econômico até veio, mas pegou todo mundo voltado para o próprio umbigo. Antes de cidadãos viramos consumidores, no dizer de Frei Betto. Viramos massa. Ora, massa é movida por instintos; não tem senso crítico e muito menos responsabilidade pelo outro. Curte show, simulacro, glamour, milagre e aparência. Sujeito desse meio esnoba celular de última geração e não sabe analisar uma notícia de jornal; gasta mais com carro, roupas e cerveja que com informação. Dentro de um corpo bem nutrido carrega um espírito morto talvez para não ver questionada sua conduta.
Como sempre acontece, o sistema não suporta tanto entulho. Entre em crise. A massa se vê na mão e, antes de olhar para dentro e mudar de comportamento, sai à caça de culpados. Como sabe nada dos interesses que movem sistemas, e está por fora do mundo da política, faz do governo central sua “Geni”. Não entende que sua qualidade de vida está mais ligada ao poder público local, especialmente ao Legislativo que deve fiscalizar o Executivo – exceto aqui onde a maioria dos vereadores concorda com tudo, afinal têm mais compromisso com a administração que com a população.
Gestor para a massa é gerente, um fazedor de pontes e viadutos. Não entende que prefeito deve ser como um maestro, sensível suficiente para tirar da máquina pública e das forças vivas da sociedade a harmonia mais perfeita possível.