Política habitacional

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casaCada pessoa ao nascer deveria ter garantido seu canto. Não somos nômades e nem animais para viver ao relento, em tocas ou debaixo de tábuas. Existe lugar para todo mundo, que também não nos pertence porque da Terra somos meros inquilinos. Terminado nosso tempo outros tomarão nossas “posses”. Ninguém é dono de nada.  Moradia é direito de todos, tenham renda ou não.

Sendo bem comum, compete ao poder público organizar e democratizar o acesso à terra. Quando não faz, quem tem dinheiro se apossa do quanto pode; quem não tem precisa invadir, ocupar e se sujeitar à sangrentas reintegrações de posses. Assim funciona uma sociedade selvagem onde quem pode mais chora menos.

Reintegrações retratam bem o nefasto conluio entre poder público e mercado imobiliário, empreiteiras, latifundiários, etc. Mandar a polícia – uma organização feita para manter a ordem pública – expulsar à bala e na porrada quem nada tem das terras de quem tem demais é institucionalizar a desordem a e violência.  A Constituição garante o direito à propriedade, de quem tem; quem não tem, dane-se ou entre nas eternas filas para tentar sorte nos degradantes sorteios da EMDHAP, Caixa Econômica e outros programas oficiais de moradias e assentamentos geridos segundo interesses políticos que favorecem empreiteiras que bancam campanhas eleitorais.

Uma casa é tudo na vida de uma família, especialmente para as crianças. Implica identidade, segurança, cidadania e dignidade. Por que privá-las desse direito? Uma sala bonita, um quarto acolhedor, um banheiro cheiroso, quem não gosta? Pincei na imprensa local alguns depoimentos de pessoas que invadiram terrenos e casas: “Só queremos um pedaço de chão e um teto. Pago 500 reais de aluguel e esse será um dinheiro que vai sobrar no fim do mês.” (Eunice). “Aqui é uma área que ninguém usa. Tenho marido e dois filhos e não temos para onde ir. Não queremos nada de graça, queremos pagar”. (Maria Cláudia). “Estou há seis anos com cadastro na EMDHAP e todos os anos dizem que vão tirar a gente de lá [favela], mas isso nunca acontece. (…) não estão destruindo os nossos sonhos, mas os sonhos dos nossos filhos” (Pâmela). “Quero ter o direito de ficar aqui, mas não quero ser eternamente invasora”. (Angélica).

Donos de imobiliárias e empresários do ramo são tidos como empreendedores de sucesso. Na verdade, apesar das exceções, especuladores é que são. “Ai daqueles que juntam casa com casa e emendam campo a campo, até que não sobre mais espaço e sejam os únicos a habitarem no meio do país”. (Is 5,8). Poderiam se valer da posição que ocupam para facilitar o acesso de todos à moradia, própria ou alugada e assim brilharem diante de Deus e do povo, mas seu deus é o dinheiro. Acabarão a vida como mais um cobiçoso devorado pela cobiça.  “Ouvi isto vocês que esmagam o necessitado e oprimem os pobres do país! Não esquecerei jamais nenhuma de suas ações”. (Am 8, 4). Deus lhes pedirá contas; afinal não são eles que compram terrenos para especular dificultando a implantação de loteamentos populares e inflam preços de casas e de aluguéis empurrando o pobre para cortiços, favelas e áreas impróprias?

Na verdade quem faz política habitacional é o povo, que entende mais da coisa e é muito mais organizado que o governo. Quando acontece uma invasão, rapidinho surge um novo bairro até com alguma infraestrutura. No momento em que a situação está consolidada e os moradores pensam ter achado o sonhado canto, chega o poder público com os tratores do poder privado e destrói tudo. Isso sim é vandalismo.

Se aqui os gestores da EMDHAP tivessem sensibilidade social e um mínimo de inteligência estratégica, há muito tempo teriam chamado – do planejamento à execução – o povo como parceiro. Tenho certeza que seríamos referência nacional em política habitacional.

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