Pombal

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casas iguais

Foto: Reprodução Google

Gostava da barraca do coelho nas festas juninas de minha infância. No centro, debaixo de uma caixa, ficava o coelho. Em volta, casinhas de madeira, todas iguais, porém numeradas e em cores diferentes. Erguia-se a caixa e o prêmio ia para quem tinha o número da casinha em que o bichinho entrasse e ficasse. Acontecia muitas vezes de ele entrar e já sair, ou de chegar à portinha cheirar e entrar em outra, provocando a maior torcida.

Loteamentos populares me trazem essa lembrança. As casas são tão iguais que se o cara chegar à noite e meio de fogo, pode ser que não ache a sua. O modelo de loteamento segue o mesmo padrão dos tempos do BNH na Ditadura. Parece um imenso pombal. Em geral, o poder público junto com os “donos” da cidade mais um punhado de lambetas, decidem o lugar de acordo com os interesses do mercado imobiliário e dos donos de terras. O principal interessado – o povo – não participa de nada. Se for área rural, o prefeito e ‘seus’ vereadores esticam o perímetro urbano. Quando mais longe, melhor porque novos vetores de crescimento são abertos, valorizando o entremeio e o entorno, servindo o pobre como desbravador de sertão ou bucha de canhão.  Quando o lugar valorizar será empurrado para mais longe.

A arquitetura é a mesma, a estética é uniforme. Não há espaço para nada. Casas a perder de vista. Quadras longas, ruas monótonas e estreitas, dificultando o cultivo do verde e a locomoção de coletivos – quando existem. Fica evidente a intenção de uniformizar e padronizar a pobreza para manter o controle; tirar-lhe a identidade e ficar menos feia. Mais ou menos como missionários fizeram com os índios obrigando-os a abolirem a maloca e botarem roupas. “A maloca era o centro da cultura. Quando os missionários queriam mudar a cultura, o primeiro alvo era a maloca.” diz o assessor do Instituto Socioambiental (ISA) Pieter-Jan van der Veld. (Folha 24.04.18).

Esses loteamentos sem vida, sem calor humano e de exclusão socioespacial, em geral, acabam por virar bolsões de pobreza, drogadição e ociosidade de adolescentes e jovens, já que estão no meio de lugar nenhum. Quantos empreendimentos desse tipo tiveram êxito? Além do mais, o custo de se levar infraestrutura, transporte, educação, saúde, etc. é rateado entre todos os cidadãos, inclusive entre os que não querem ver pobre na frente.  Fora a dor de cabeça que terão com o aumento da violência porque nenhum ser humano tolera segregação.

Quando a elite carioca viu surgir o primeiro barraco “pendurado no morro”, em vez de fazer poesia deveria ter percebido que isso não acabaria bem e ter dado alerta, visto que ser humano não é bicho. Porém, sentiu-se segura e aliviada. Agora, está vendo no que deu. A cidade mais bonita do mundo virou um inferno, afinal desde o Éden não há paraíso que o egoísmo e o desamor não destruam.

Quando ando pelo Centro de Piracicaba – onde toda infraestrutura já existe, assim como serviços – vejo quadras inteiras de casas vazias, algumas se decompondo, outras pichadas de cima abaixo. Um acinte a quem não tem teto. Onde borbulhava vida sobra vazio, solidão, promiscuidade, ratos e baratas. Nossa praça retrata isso. Até agora não vi um prefeito porreta que encare os responsáveis por este caos a fim de colocá-los no seu devido lugar, afinal, cidade é espaço de vida e não de especulação.

Como fazer eu não sei, mas tenho certeza que onde há boa vontade, ética, compromisso com a dignidade humana, solidariedade e compaixão, tudo é possível. Poder público, população organizada, Caixa Econômica, ACIPI, mercado imobiliário, empreiteiras, etc. juntos podem fazer milagres e servirem de modelo para o Brasil.

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