Pra boi dormir…
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Sabe aquela conversa saborosa de antigamente, com gosto de espiga de milho assada na brasa, lá no terreiro da casa dos tios, no sítio mais lindo do mundo? Pois é. Quanta conversa fiada deliciosamente jogada fora, sob o luar de prata, enquanto São Jorge lutava com o dragão.
Então, aqui neste sagrado reduto da crônica, dá uma baita vontade de começar esta conversa. Coisas que evocam pano de louça branquinho secando no varal; verdura colhida na horta; fruta apanhada no pé; pijama de flanela; leite tirado da vaca cedinho; doce de mamão verde; queijo fresco; cheiro de café coado na hora e riso farto de gente de bem com a vida.
Hoje não há mais noites, galos e quintais. Ainda restam alguns exemplares destas raridades aqui e ali, mas não com o mesmo lirismo e a mesma beleza. Tudo mudou tão drasticamente, que evito argumentar.
Houve um tempo digno em que os professores eram respeitados na sala de aula, pedia-se a bênção aos pais, beijavam-se as mãos dos tios e parentes mais velhos. Os homens tiravam o chapéu, numa reverência respeitosa, quando passavam em frente de uma igreja. Cansei de ver meu pai fazer isso. As moças eram chamadas de “casadoiras” e as mulheres sentiam vergonha de dizer certas coisas em público, porque se tratavam de intimidades absolutas.
Tudo muda o tempo todo no mundo, diz uma canção que amo. A vida vem em ondas como o mar, num indo e vindo infinito, diz a letra coberta de razão.
Nosso senso de temporalidade tenta acompanhar as mudanças. Dependendo da idade, já se pode olhar para trás e contabilizar um passado. Mesmo para os mais jovens, haverá uma lembrança da infância e de como se brincava naquele tempo. Talvez mais futebol de rua, que a criançada de hoje trocou pelos aipedes da vida.
Em meio às transformações inevitáveis, haja também um coração à escuta. Eu ouço tudo, no silêncio que tanto amo. Há que haver esta capacidade auditiva de captar o insonoro. Há coisas invisíveis e impalpáveis no reino imaterial. Contudo, atuam fortemente dentro e fora de nós. São Bernardo dizia que não podemos ver o Espírito Santo, mas percebemos Sua presença pelo movimento do nosso coração.
A casa do coração, creio eu, pode ser a mais simplesinha possível, mas é este sentimento poderoso que conta. Sem ele, construímos nossa morada na areia. Temos de edificá-la sobre a rocha. Não é preciso cultivar uma erudição muito da cultíssima, nem anel, nem diploma. Dona Vida tem ensinado uma porção por aí. Importa aquele brilho nos olhos, a festa da alma.
Temos de nascer, em algum momento. E cumprir o que nos cabe. Uns sonham tão alto. E enriquecem. Outros são gratos pelo que têm e gratidão é coisa rara hoje em dia.
Sim, eu sei. Você está pensando exatamente algo que faz jus ao título desta pobre e humilde crônica: mas que conversa pra boi dormir! Pois meu objetivo não teria sido outro, senão levar a esta sábia e crítica exclamação. Pois me diga, tem coisa melhor? Você aí, diante do computador amado, comendo uma bolachinha, tomando seu chá, seu café e pensando na vida.
Como diria uma queridíssima amiga portuguesa, com certeza: bem-hajas!