Pureza original

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Foto: Pixabay

A Igreja diz que Jesus morreu para nos salvar.  Toda uma teologia nesse sentido foi desenvolvida, inclusive que se o pecador se arrepender na última hora pode se safar das garras de satã. Caso contrário… Mesmo o pior dos pais estaria satisfeito vendo parte de seus filhos felizes com Ele e outra se danando eternidade afora?   Se até entre humanos, cujo desejo de vingança é mais forte que o de justiça, a maioria dos criminosos cumprem pena por algum tempo, com Deus é por toda a eternidade?

Se nada do que existe foi feito sem Deus, Ele criou o inferno? E o capeta? Se Deus está em todo o lugar, sua presença se faz também no inferno? Se o diabo pode nos desviar do bom caminho, por que Deus não pode nos manter?  Tem cabimento dizer que Deus nos criou livres, mas se não seguirmos sua Lei seremos condenados? Tem sentido afirmar que Deus mandou seu filho para pagar com sangue uma dívida que nem sabemos qual é? Que Deus é esse que se compraz com morte cruel?

Nossa religião é fúnebre. A vida de muitos santos é vida de dor e sofrimento. Para conseguir o céu alguns se anularam totalmente. Morreram cedo de tantos tormentos que se afligiram para ‘agradar’ a Deus. Sua dor os petrificou nos altares. Que conceito tinha essa gente de Deus? Raros são os casais canonizados, embora se sofrimento conta, a vida matrimonial exige mais sacrifícios que a de celibatário.

A procissão do Senhor Morto, como chamam, reúne multidões na noite da sexta-feira santa. O cortejo toma as ruas, ‘defunto’ à frente e carpideiras atrás. Jesus morto é mais fácil seguir. Vivo é problema. Poderiam os ilustres vigários se ater mais à instrução de seus paroquianos. Seria mais condizente com quem estudou teologia e não sei mais o quê. Quem sabe o conceito que a maioria tem de Deus fosse depurado e tivéssemos uma religião mais alegre e condizente com a boa nova. “Não tenham medo! Eu anuncio para vocês a Boa Notícia, que será uma grande alegria para todo o povo: hoje, na cidade de Davi, nasceu para vocês um Salvador, que é o Messias, o senhor”. (Lc 2,10). Estaria a alegria da salvação na Paixão ou no mistério da Encarnação?

“Ele está provocando revolta entre o povo, com seu ensinamento. Começou na Galiléia, passou por toda Judéia e agora chegou aqui”. (Lc 23, 5). A morte de Jesus foi consequência de sua opção de vida e de seu testemunho coerente, como aconteceu com milhares de pessoas que deram de frente com os poderosos do mundo, que foram sepultados pela poeira do tempo enquanto que Ele vive. .

Feito carne, Jesus é o rosto humano de Deus e o rosto divino do homem. O humano perfeito a quem devemos imitar. A partir da Encarnação não se admite mais exploração, miséria, violência, diferença social e opressão. É muito mais que cestas de alimentos que se distribuem no Natal e brinquedos para crianças – atitudes essas que alegram mais quem dá que quem recebe. Salvação é vida digna para todos, amizade, alegria, paz. Compete a nós fazer acontecê-la lutando para que todos tenham o que quero para mim. Caso contrário, teremos inferno suficiente já aqui.

“Diante de um bebê, colocamos de lado nossas couraças e nossas pretensões, as cortinas se abrem e recuperamos o espaço de inocência daquele que sequer sabe o que é sentir-se culpado. A energia do bebê é limpa, pura, sem falsidades e no infunde confiança. Na presença de um ser sem couraças, despimos as nossas próprias. Colocamos de lado as falsidades, as pretensões, as convenções e outras limitações, e adentramos um espaço cheio de sinceridade e autenticidade. Nosso coração sorri”. (Miriam Subirana. Serenidade Mental. Vozes).

A criança no presépio de novo nos convida a voltarmos à pureza original e nascer de novo.  Vamos perder mais essa chance?

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