Rio Doce (in memoriam)
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Era uma vez um rio… Doce, piscoso, de águas límpidas. E um povo que o amava e dele retirava seu sustento: água, peixes, e o utilizava como meio de transporte através de barcos e balsas.
Rodeado de vegetação abundante e rica fauna silvestre, era o orgulho dos povos ribeirinhos.
Mas um dia, uma tragédia de proporções gigantescas se abateu sobre eles. Rompe-se uma das barragens de dejetos de uma mineradora. E a sopa de lama e resíduos poluentes invade casas, igrejas, lojas, rios, nascentes, destruindo o que encontra. Como uma grande boca vomitando lodo e detritos, com sua língua pegajosa grudando em tudo e deixando rastros de destruição. O caldo grosso se locomove por quilômetros. Ninguém consegue deter a massa de lodo. Luta vã tentar contê-la. Animais marinhos, domésticos e silvestres sucumbiram aos milhares. A fauna das matas ciliares foi dizimada.
O pasto virou lama e o gado não pode beber a água barrenta e contaminada.
Ambientalistas contabilizam que cerca de um trilhão de organismos vivos, incluindo vidas humanas, morreram no desastre.
A água potável passa a ser o bem mais precioso, todos implorando por uma garrafa do líquido cristalino para beber.
O vale colorido torna-se monocromático: tudo marrom, um rio de barro. Barqueiros olham o rio lamacento e lamentam. Lágrimas rolam em seus rostos marcados. O velho rio Doce vai ficar apenas na memória deles. Seus netos só saberão da beleza do Vale através de fotos, imagens e filmes.
Será que um dia esses lugares renascerão das cinzas como a lendária Fênix? Não dá para prever… Mas podemos esperar mais tragédias a longo prazo. Síndromes e doenças diversas, oriundas do contato com metais que estão se infiltrando no solo e poluindo as águas. Ninguém sabe o que podem causar essas substâncias tóxicas, os metais pesados. Só o tempo dirá!
A catástrofe vai caminhando, como uma centopéia, contaminando tudo. E o rio de lodo chega ao mar. O impacto ambiental é incalculável. Mais de 120 nascentes soterradas.
Vale do Rio Doce agora é o Vale da Morte. O cheiro de podridão que emana dos cadáveres insepultos é insuportável. Cidades inteiras foram dizimadas. Viraram cemitérios de lama.
O que fizestes, Homo Sapiens???
Quem vai recuperar as águas doces? Quem vai trazer de volta à vida os mortos? Quem ressuscitará a rica fauna que abundava nesses locais?
Esse crime não tem perdão!
Que o Criador de todas as coisas tenha piedade de vós no dia do acerto de contas final.
E que o Rio Doce e suas cidades fantasmas “Requiescant in pace”.
*Ivana Maria França de Negri é escritora e defensora das causas ecológicas