Sangue Verde
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A cidade ficou de joelhos diante do ciclone. Quem viu de perto ficou apavorado porque nenhum lugar era seguro. Ferida de morte, em sua lenta agonia, a mãe natureza recobre forças e seu suspiro de dor faz tremer a terra. Em breve ficaremos órfãos.
Enquanto como Caim, nos escondíamos do mal que provocamos, nossas irmãs, as árvores ousaram enfrentar o poder devastador da tempestade. Muitas foram trucidadas no furor da luta. Outras tombaram arrancadas pela raiz. Basta andar pelas ruas e ver o rastro de sangue verde derramado pelo chão e os destroços espalhados. Por todos os lados seus corpos jazem a espera do esquartejamento. Algumas, apesar das graves fraturas e das veias expostas, ainda agonizam, esperando o socorro que não virá. Jovens e anciãs, deram a vida para nos proteger. Nenhum humano se feriu. Elas tiveram mais de três mil baixas nessa batalha desigual.
Não entendo do assunto, mas, acho que as árvores, além de amenizar a temperatura, ajudam a amortecer o impacto dos ventos e dividir sua fúria. Pode ser que sem elas o vendaval não encontrasse barreiras e carregasse casas e pessoas. Seria uma tragédia sem conta.
Porém, como a Geni da música do Chico Buarque, temo que no calor do momento, pessoas movidas por interesses particulares, se aproveitem da ocasião para iniciar um processo de caça às bruxas, porque suas limitadas inteligências verão somente os prejuízos que as quedas das árvores causaram. Muitos as banirão de suas propriedades.
Se o confronto entre frio e calor, provocado pela escassez de verde nas cidades, é um dos responsáveis pela formação dos ciclones, como ficará Piracicaba, já que nossa inexpressiva floresta urbana foi gravemente atingida e parece que nossa Secretaria de Obras gosta de concretar e asfaltar o que tiver pela frente? Teremos mais tempestades nos próximos anos?
Entretanto, podemos tirar algumas lições dessa calamidade programada. Uma delas é o descaso do Poder Público como um todo diante da degradação ambiental. Todo mundo está prevendo um futuro negro, que já bate às nossas portas e ninguém toma uma atitude enérgica e exemplar. Autoridades frouxas e omissas não tomam as medidas que a situação exige. Se não têm coragem de assumir a postura que a Lei e o cargo exigem, saiam daí. Expõem-se muito mais os que a imprensa resolveu chamar, não sem certa intenção sectária, de ambientalistas, como se o futuro sustentável do planeta não fosse um problema de todos. Quando a Terra virar um deserto, todo mundo vai querer ser ambientalista. Só que não serão mais necessários.
Outra questão é que a maioria das árvores que caíram eram mal cuidadas e mutiladas por podas mal feitas. Árvores erradas plantadas em locais errados, porque os poucos cidadãos que plantam, plantam o que querem e de modo incorreto. Não há orientação e nem assistência. Apesar ter uma Escola de Agronomia de renome internacional, que desenvolve projetos de reflorestamento até no exterior, Piracicaba não teve, até agora pelo menos, um plano sério e permanente de arborização e meio ambiente. Casa de ferreiro, espeto de pau, diz o ditado. Falta visão administrativa de articulação de recursos.
Também, a maioria dos secretários que passou pela SEDEMA foi escolhida mais por afinidade e indicação política que por conhecimento do assunto. Plantaram algumas centenas de árvores e as deixaram na orfandade. Sem planejamento, sem cuidados, sem poda e sem alimento a maioria das mudas morreu de inanição e tristeza. Em vez de política ambiental sustentável e inteligente, tivemos, até agora, remendos em trapo velho.
Dinheiro jogado fora. Irresponsabilidade que ninguém cobra. Por isso, existem sim, culpados por tragédias como essa que ocorreu em Piracicaba, se não por ação, pelo menos por omissão.