Se o amor chegar…
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Se o amor chegar, devo dar bom dia? Perguntar como vai? Como nos comportar na iminência do amor bater à nossa porta? Abro, peço que entre e mando sentar? O que vestir para receber o amor que chega sem avisar? E a emoção seria diferente se ele avisasse? O amor nos enche de perguntas.
Ninguém gosta de receber visita inesperada. Podemos ser pegos de surpresa e estarmos com a tal roupa de ficar em casa, aqui já cantada em prosa e verso. Uma vez, fui visitar uma pessoa e toquei a campainha. Ela estava com os chamados “bobes” na cabeça, tudo enroladinho. Entreabriu a porta, meio que se escondendo, e sumiu. Reapareceu gloriosa. Foi tirar aquilo e escovar os cabelos.
Como havia intimidade entre nós, ela poderia ter me atendido como estava, eu não iria reparar, imagine só. Mas aí entra uma coisa chamada “vaidade”. E todos nós queremos ser pegos arrumados, bonitos, apresentáveis.
Será que o amor me pegará arrumada, bonita e apresentável? Não sei. Terá o amor um jeito pessoal de se fazer anunciar? Dona Marisa, tem um ser aqui na portaria perguntando se a senhora pode recebê-lo. Quem é? Ele disse que é o amor. Pode autorizar a entrada.
E aí, o amor chega. Devo reconhecê-lo de pronto, pois é alguém de meu conhecimento, o maior e o mais belo de todos os amigos. Gêmeo do coração, vizinho íntimo da alma, dono do corpo e dos sentidos. Beleza infinita que até hoje ninguém conseguiu explicar. Sim, transcende a tudo o mais, tem permissão para invadir a casa, o coração, e proporcionar noites em claro.
Amor é coisa séria, profunda demais e, se merecer privar de nossa intimidade, seja recebido com honras, com uma mesa farta de iguarias regadas a promessas. Aquelas que fazemos com um olhar 43, no momento mais afetuoso da nossa vida.
Se o amor chegar, quero recebê-lo com um buquê de flores do campo, ou um ramalhete de rosas. Entra, amor. A casa é sua. Visto uma roupa de festa. Ou um juvenil vestido de organdi cor-de-rosa, com um laço atrás, que vai esvoaçando enquanto se anda. Ou melhor, se dança.
Sim, o amor terá de dançar e cantar o mais sublime dos cânticos, hino de graças. Porque não há graça maior que a presença do amor. “Detiene a los peregrinos / Libera a los prisioneros… El amor com sus esmeros/ al viejo lo vuelve niño… Se va enredando / enredando / como en el muro la hiedra / y va brotando / brotando/ como el musguito en la piedra”. Versos que Mercedes Sosa cantou até morrer.
Quero cantar o amor até morrer. E estar saudável ao cruzar com ele. Se o amor chegar, quero saber. Mulher curiosa, atenta, adivinhando a sua luz. Brilhe o amor e ilumine este mundo em trevas. Quem mais, senão o amor poderá ensinar o caminho de volta? É bom ir, mas é melhor voltar.
Amar é como voltar para casa, depois da viagem. A nossa cama, o nosso quarto, nossa cozinha, a roupa a ser lavada. O sol brilhando e lá fora um varal de sonhos. Deus sabe como encantar nossa existência terrena. Por isso, meu Deus, se o amor chegar…