Sem palavras
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O dever me chama. Tenho um texto para redigir. Minha sagrada crônica semanal. Diante do computador, penso em tanta coisa. Vasta é a temática da vida. Vasto é o mundo e sua história.
Não sei se abordo a realidade brutal que nos assalta a cada momento, ou se elaboro um texto construído de metáforas e um pouco da necessária poesia, para encantar os corações de todos nós.
Penso no rio Piracicaba tão seco, deixando à mostra a dureza de seus ossos; a foto do menino que andou sobre as pedras com sua bicicleta e a mortandade de peixes. É de chorar!
A chuva veio por uns momentos e consta que não foi suficiente para encher os reservatórios. Começamos a pensar melhor sobre o que será do mundo, se um dia nos faltar a bênção da água.
Enquanto cidades britânicas estão alagadas, as nevascas castigam alguns países e aqui nos trópicos as altas temperaturas são alarmantes. Dizem os climatologistas que tudo isso é conseqüência do aquecimento global. Teremos invernos cada vez mais rigorosos e verões cada vez mais tórridos. As mudanças climáticas serão drásticas.
O que abordar nestes tempos sombrios? Tempo de pessoas que morrem de bala perdida, pais e mães enlutados, gente que não para de chorar os seus mortos. Como levar até o leitor uma palavra de alento e esperança?
Eis que a crônica escorre pelas mãos. Hoje o tempo voa, amor. Sou menino-passarinho com vontade de voar. Com vontade de não ver as cenas aterrorizantes dos noticiários na tevê. Um rojão foi aceso e um cinegrafista morreu, fazendo o seu trabalho, atingido pelo artefato.
O que está acontecendo com o nosso país? Qual a origem de tanta violência? É a pergunta que todos nos fazemos neste momento. Ameaça-nos um caos social, sentimos medo de sair à rua, somos cada vez mais prisioneiros em nossas próprias casas.
Pelo bem ou pelo mal, a Copa do Mundo será realizada aqui, no Brasil, fato que tem gerado um pálido entusiasmo e certo desespero. Muito se comenta sobre os gastos exorbitantes com a construção das arenas. Nas redes sociais, mostram-se as fotos dos doentes no chão dos hospitais, ao lado das suntuosas cadeiras dos estádios.
Há uma indignação unânime com o absurdo do dinheiro gasto neste Mundial, quando a saúde, a educação e o transporte público clamam aos céus. Vemos a deterioração das nossas metrópoles, mal cuidadas, morros que desmoronam sobre barracos, os mesmos problemas de alagamentos nos pontos cruciais de sempre, ano após ano. Um menino morto, levado pela enxurrada, é só mais uma linha para o final da matéria. O repórter encerra sua fala.
Ficamos mudos e perplexos diante de tanta tragédia e tantos crimes, assustados com o surrealismo que se criou a nossa volta. Quem disse a frase “uma Copa não se faz com hospitais e sim com estádios”, parece que voltou atrás. Teria tomado consciência do que é ser brasileiro e sofredor?
Também estou sem palavras.