SENHOR! SENHOR!

Os textos de diferentes autores publicados nesta seção não traduzem, necessariamente, a opinião do site. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.

Uma das motivações que tenho para ir à missa é rever amigos, os mais chegados e os nem tanto; afinal todos os que ali estão formam uma família, que comunga da mesma esperança e fé. Claro que meditar e aprofundar a Palavra de Deus é importante assim como a Eucaristia. Porém nenhum desses gestos teria sentido sem a comunidade. Proclamar a Palavra para quem? Partilhar o pão com quem?

Esse negócio de ‘assistir’ a missa e voltar pra casa, ou mesmo sair à caça de missas agradáveis têm nada de católico menos ainda de cristão. A Palavra convence e a homilia pode arrepiar, mas quem converte é a comunidade, porque põe em cheque nosso modo de agir, sentir e pensar; questiona conceitos e preconceitos; aponta omissões e oferece condições para frutificar talentos; fortalece a esperança, consolida a caridade, reconcilia-nos com o Universo; corrige, conforta, acolhe e supre dificuldades. Pelo menos é como deveriam ser as comunidades que se dizem cristãs.

Mesmo porque, seguidores de Jesus se reúnem para celebrar e perpetuar Sua memória; fortalecer a fé e se apoiar mutuamente, pois como “sal da terra e luz do mundo” trazem em si as marcas do testemunho.  Trata-se “dos que carregam palmas nas mãos porque vêm da grande tribulação”. (Ap 7,14). Lá estão os que perderam prestígio, emprego e cargos por não compactuar com a mentira; os excluídos das rodas sociais, os perseguidos, maus vistos e tachados de radicais por denunciarem o mau uso da coisa pública e por não concordarem com a diferença de classes, com a voragem que exaure a natureza, com a opulência, o desperdício, o trabalho excessivo, a fome, a favela, o tráfico, a doença, a violência, a omissão das igrejas e com a apropriação dos meios de comunicação – destinados a informar a população – por grupos de famílias que os usam para manter privilégios, justificados nas nefastas ideologias embutidas em novelas, filmes, noticiários e programas que valorizam individualismo, aparência, racismo, posses, violência e imoralidade.

Não é uma reunião de fazedores de bingo para reformar a igreja, de doentes em busca de cura e libertação ou de desiludidos com o mundo. Ao contrario, o mundo vem melhorando – não vê quem não quer – graças também a eles, pois por causa do Evangelho engajam-se na política, nas organizações de bairro, sindicatos, escolas dos filhos, associações de classe, partidos, times, lutas ecológicas, etc. É uma assembléia de gente que encontrou a pérola que buscava; gente que em vez de esperar do céu, faz milagres com as próprias mãos; gente marcada, mas tranquila e bem humorada ante os rumores que abalam o mundo; gente que recosta a cabeça no travesseiro e dorme ao som de pássaros que cantam dentro do coração.

Sei que ainda não é assim – pelo menos a maioria de nossas comunidades – justamente pelo fato de que poucos são os que se envolvem e se deixam transformar pelas relações que uma genuína comunidade deve ter em primeira conta. De modo algum aceitam se expor. São sementes que nada produzem porque se recusam morrer. Na hora do pega se mandam na busca de grupos menos envolvidos.  Outros preferem o agito, o arrepio, o choro.  Avulsos, tornam-se clientes fiéis de quem oferece melhor produto e realiza portentos. Só que ao primeiro contratempo procuram outro circo. Se voltarem, certamente algum padre estrela está na fita.  O compromisso dessa gente não é com a Palavra e os desafios que ela traz e nem com a espinhosa missão de tornar a comunidade mais parecida com as primeiras. Sua ligação é com o padre, tanto que se o ‘perdem’ ficam sem rumo como formigas sem a rainha.

A questão é que “Nem todo aquele que me diz ‘Senhor, Senhor’, entrará no Reino do Céu. Só entrará aquele que põe em prática a vontade do meu Pai que está no céu”. (Mt 7,21).

Deixe uma resposta