Sobre a Questão do Mosquito Transgênico e sua liberação em Piracicaba

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Tudo ao redor nos causa, normalmente, estranhamento, pois vivemos sempre às avessas, vendo a falta de lógica da sociedade na qual estamos inseridos, a qual destrói a si mesma, cria desequilíbrios gravíssimos que afetam a saúde de todos e depois acha que vai resolvê-los promovendo desequilíbrios maiores ainda, com o pretexto e a perigosa ilusão de consertar os anteriores. Insanamente cômico.

De um lado, se as doenças que o Aedes aegypti transmite são preocupantes e graves, a moderna sociedade de consumo, do descarte e do lixo à enésima potência, a devastação das florestas e dos ecossistemas nativos, o empobrecimento da fauna, tudo isso mais do que explica as doenças, essas e outras, que enfrentamos e haveremos de enfrentar. São as deteriorações ambientais as verdadeiras causas dos agravos à saúde humana.

Na questão do mosquito transgênico, é importante que se saiba que o Condema (Conselho Municipal de Meio Ambiente), uma entidade formal e oficial da cidade, posicionou-se contra o mesmo, o que já é bastante! Assim como grupos de ambientalistas regularmente constituídos, e técnicos em áreas diversas, da cidade e da região também. Dois advogados voluntariamente fizeram, em tempo hábil, todos os procedimentos jurídicos para barrar a soltura do MT e para contestar o TAC (Termo de Ajuste de Conduta que foi assinado pela Procuradora Estadual de Saúde, possibilitando a soltura), bem como protocolizaram documentos solicitando, às autoridades, os dados oficiais sobre os experimentos anteriores com o Mosquito Transgênico feitos em outro Estado. O Ministério Público de Meio Ambiente Estadual, em Piracicaba, também foi acionado. Nada disso resultou eficaz.

Parte de imprensa local passou a falar de “Aedes do Bem”, numa maciça propaganda infantilóide que, por sinal, não deixa de, martelando as mentes das pessoas, dar certo, pois anestesia, confunde, anula, ganha a neutralidade da maioria, ou a conivência de grande parte da população local, que não consegue ter dados para pensar judiciosamente.

O que mais nos choca é que a liberação desse animal vai contra o Princípio da Precaução, uma assertiva ambiental que tem força de lei.  Tão grave quanto é que a soltura do referido mosquito, num bairro da cidade, o Cecap, foi permitida mesmo não havendo, até aquele momento, liberação do mesmo pela ANVISA (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), um órgão nacional para regulamentar esse tipo de questão e outras. Como isso é possível? Foi.

A ABRASCO (Associação Brasileira de Saúde Coletiva) também se colocou contra a criação e o uso dos mosquitos geneticamente modificados, mas de nada adiantou.

O uso do MT baseia-se, por outro lado, na ideia do “macho estéril”, uma técnica já conhecida na agricultura há muitos anos. Não conseguimos entender por que, tendo-se aqui uma faculdade como a ESALQ, e o CENA, não se consegue a esterilização dos machos por meios que não a transgenia. Por que tais entidades não podem, e parece que nem tentam, ser úteis à cidade nesses aspectos tão graves? Por que é necessário apelar-se para a transgenia, comprando-se de empresa estrangeira, uma nova espécie animal, criada em laboratório, para conseguir-se solução científica contra o Aedes?

Então, muitos de nós, cidadãos conscientes e preocupados, não nos omitimos. Mas toda população da cidade que não consegue pensar, com todas as variáveis, sobre o tema só tem medo, com razão, e não deseja sofrer, com mais razão ainda. Propensas a aceitar muitas coisas estão as pessoas. Aceitam perigos adicionais.

Mas que não venham as autoridades dizer que “não acompanhamos a soltura do MT”, e outras balelas. Solicitamos os dados sim, mais isso não nos caberia realmente. Cabe às Vigilâncias Epidemiológicas, Municipal e Estadual, de quem queremos sim receber dados fidedignos; isto é, se o animal agora já estiver liberado pela ANVISA!  Tal afirmação de “desinteresse ou omissão”, na melhor das hipóteses, é risível. E na pior…

 

* Eloah Margoni – vice-presidente da Sociedade Para a Defesa do Meio Ambiente de Piracicaba

1 comentário

  1. Paulo Andrade em 27/01/2016 às 23:29

    É importante salientar que a CTNBio, a autoridade nacional para avaliação e riscos de OGM, considerou o mosquito transgênico liberado agora em Piracicaba como seguro ao ambiente e ao homem. Muito mais do que o CONSEMA ou que a ABRASCO, a CTNBio tem total competência para avaliar os riscos dos OGM: de fato, a Comissão não apenas é formada por especialistas nas mais diversas áreas envolvidas na avaliação de risco de OGMs, mas pode também consultar (e consulta!) especialistas quando deseja adicionar informações às suas análises. Por fim, a Comissão ouve, através de consulta pública, as opiniões do público e de outros especialistas.
    É comum vermos opiniões contrárias à segurança dos OGMs e, em particular, do mosquito transgênico, mas em geral não transparecem os motivos exatos pelos quais os OGMs poderiam ser perigosos ao ambiente. É o caso desta postagem.
    Por fim, o autor da postagem se questiona sobre o uso de mosquitos transgênicos em vez de se empregar machos estéreis por radiação. A resposta é muito simples e conhecida de todos os que estudam as duas tecnologias: o macho de Aedes aegypti esterilizado por radiação tem uma redução importante de “fitness”, o que diminui seu uso no controle. Já o mosquito estéril por manipulação genética é tão apto ao cruzamento, voo, etc., quanto o mosquito selvagem.

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