Supérfluos

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Segundo notícias a antiga fábrica Boyes será transformada num shopping, agora de alto padrão; na beira do rio como o outro, por isso tenho reservas. Foi do rio o lugar e a ele pertence; deveria, portanto, lhe ser devolvido. Detonam a natureza e ainda querem dela se aproveitar. Ademais aquele espaço comporta tamanho impacto – carros, gente, carga, descarga, etc.? Não sei se é prepotência, cobiça ou burrice não se ter percebido ainda que a natureza tem suas leis e o bom senso manda obedecê-las. Deve existir essa matéria nas escolas de engenharia e no manual de empreendedores com faro predatório.

Sei que mais um shopping trará empregos, opções de lazer e de compras, além de elevar o status de Pira. Contudo, nada disso garante uma cidade sustentável e feliz. A natureza vale mais que tudo. Ela sim, cuidada e respeitada é garantia de vida saudável. Está chegando o dia em que teremos dinheiro no bolso, no entanto tem como comprar alimento genuíno, ar limpo; água pura e vida segura? Portanto, o desenvolvimento econômico só é bom para uma minoria, cujos privilégios são sustentados pela maioria.

Por que não fazem shopping na periferia? Aquele espaço deveria virar um parque arborizado e cheio das tais flores que Piracicaba só tem no hino. Um lugar com opções culturais, informações históricas, recreação, lazer, etc. Um ambiente acessível a todos os piracicabanos para se encontrarem e interagirem, e não um espaço de exposição de bens de consumo – supérfluos, diga-se – onde coxinhas esnobam roupas de grife, comem bem e se divertem protegidos da obtusa ‘massa’. Riqueza ou pobreza não torna uma sociedade violenta, mas a diferença. “A desigualdade mata”. (Richard Wilkinson, epidemiologista britânico – “Reinventar a Vida”, Frei Betto).

Apostei que a atual administração municipal estaria mais voltada para o humano da cidade e sua ecologia. Enganei-me? Deveria ao menos ter aberto consulta pública pedindo sugestões sobre o destino do lugar, para nós tão rico de significados e lembranças. Pode até ser que se optasse pelo shopping. Seria mais legítimo. Porém, como é praxe nesse país, os que decidem os destinos das cidades apresentam projetos já prontos para começar; assim não sobra tempo para contestações. Como sempre, dizem que aspectos ambientais, culturais, históricos serão respeitados. Alguém se dispõe a fiscalizar?

Acredito na boa intenção dos empreendedores, porém não é assim que as coisas devem funcionar. Ninguém tem autoridade para decidir por todos. A cidade é nossa; somos seus construtores e nela nos movemos e realizamos nossa história. Não somos espectadores, nem intrusos, e nem queremos ser tratados como crianças que ganham presentes do papai. Decidir coisas da cidade segundo interesses de grupos econômicos é no mínimo uma arbitrariedade, se bem que seja comum essa simbiose político-econômica, mesmo porque um poder sustenta e depende do outro.

Lembro-me de reportagem na tevê sobre uma cidade na Bélgica que estava realizando seu qüinquagésimo plebiscito, somente naquele ano. Sociedade evoluída é assim. A população decide o que é melhor, não quem tem dinheiro. Os gestores são servidores do povo e não de grupos econômicos. Por aqui estamos muito atrasados na coisa pública; nossos políticos – grosso modo – são obtusos e nosso empresariado é tacanho. Essa coisa de esperteza, de levar vantagem, de pensar só em si e no seu grupo, de juntar dinheiro e estar por cima sem se preocupar com o destino de todos os outros não cabe mais no mundo de hoje.

Ou pomos na cabeça que privilégios devem ser recusados; que todos têm que ter acesso a uma vida digna e respeitada ou teremos uma cidade cheia de remendos bonitos em trapo velho. Assim sendo, jamais haverá concórdia e paz, mesmo que ergam shoppings de ouro.

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