Teoria da Dor

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unnamedEstou escrevendo um livro que, provisoriamente, intitulei de “Viver dói”. Já adiantei uma boa parte e, no momento, estou corrigindo, refazendo capítulos inteiros, elaborando lembranças e sensações dolorosas que julgo relevantes, sobretudo passagens da infância, esta fase da vida em que criança alguma deveria sofrer.

Sou uma pessoa tocada pela dor. Desde muito cedo. Refiro-me à dor física. Seria eu uma “alma eleita” para sofrer? Não sei. Já tive um pouco de tudo. Quando menina, dores de dente de uivar, dores de barriga, dores insuportáveis pelo corpo. Passava noites em claro, minha mãe esfregando um paninho com álcool nas minhas pernas. Peguei caxumba, sofri com furúnculos, terçóis (hordéolo) de não abrir o olho.

Entre nove e dez anos, tive a boca queimada pela ingestão de um remédio para giárdias. Esvaziei a caixa d´água, de tanto lavar os lábios pegando fogo. Andava com um lenço, pois eu babava sem parar. Nessa idade, brincando com meus primos, próximo dos materiais da reforma de uma casa vizinha, um prego arrancou a unha do dedão do meu pé direito. Ah, como doeu! Mais mocinha, suportei cólicas menstruais de faltar do colégio. A lista é comprida. Minha primeira dor de cálculo renal foi aos 15 anos, com internação em hospital e retirada da pedrinha por sonda. Ao longo da vida, já passei por 11 intervenções cirúrgicas, sendo nove com anestesia geral. Só a coluna, operei três vezes.

O caríssimo leitor sabe o que é uma retossigmoidectomia? O sufixo “tomia” se refere sempre à retirada de algo, e eu retirei 45 cm do intestino, por causa da diverticulite. É coisa para macho, mulher não deveria ter de se submeter a algo dessa natureza.

Durante muitos anos, depois de adulta, fui a maior consumidora de “Cataflan”. O laboratório tinha de me dar um prêmio, ninguém no planeta comprou mais esse remédio do que eu. E “Dorflex”, “Advil”? Para mim era uma balinha.  “Tylenol” anda comigo, dentro da bolsa. Diga o nome de um analgésico disponível no mercado farmacêutico e eu já o tomei.

Alguns anos depois da minha terceira cirurgia na coluna, comecei a pensar em escrever um livro, abordando este tema espinhoso: a dor. Quando acho que estou “inspirada”, abro o arquivo guardado no computador e escrevo mais um pouco. Releio o que já escrevi, há coisas tristes, inerentes a um universo que dói, e há também as passagens tragicômicas, de quando íamos extrair um dente, naquela cadeira de dentista apavorante, medonha, do meu tempo de infância.

Devo ter chegado ao mundo e a dor me disse “olá”. Julguei não ter ouvido a saudação, vinda de algum lugar muito sombrio… Não liguei, não respondi, fiz de conta que não era comigo. Mas era.

Não quero cair no lugar comum de achar que, quando nasci, um anjo torto ou muito aprumado festejou. Que era um Serafim, do primeiro coro dos anjos.

Aos poucos, caro leitor, entre uma crônica e outra, irei vos “brindando” com trechos desse livro que, acredito, jamais irei publicar. Enfim. E se prestasse o que escrevo, hein, Luis Avelima?

E la nave va…

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