Um lugar

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lugarHá de haver um lugar, em algum lugar, onde se possa ver a beleza. Há de haver uma paisagem de sonho, relvados verdes e céus azuis que nos fazem suspirar.

Fico pensando neste cenário inebriante, oculto em nossas retinas, atrás de cada cena cotidiana, pronto para ser desvendado num piscar de olhos. Quando a cortina se abrir e ele aparecer, avassalador e perfeito, nós o reconheceremos.

Talvez uma cidade, a “Jerusalém Celeste” e seus muros de pedras preciosas, seus pórticos majestosos, a cidade santa que descerá do céu, como uma noiva ornada para as bodas. Consta que lá irão morar os eleitos do Senhor. Quem tem as mãos limpas e um coração puro; quem não é vaidoso e sabe amar. Não haverá mais noite, porque brilhará um Sol que jamais se põe.

Há de haver este lugar bendito, enquanto circulo pelas bancas de frutas e verduras, enquanto estou na fila do trânsito, esperando o farol abrir. Olho pela janela do carro e as pessoas estão com a tez um tanto turva. Talvez seja a poluição de nossos dias. Alguns solfejam guarda-chuvas pretos.

Vejo semblantes cansados, idosos carregando sacolas, crianças de mãos dadas com suas mães e todos vão absortos e indiferentes. Rezo para que o sonho os faça acordar.

Começo a meditar baixinho, acariciando o crucifixo pendurado no espelho retrovisor e entendo que não nascemos para ficar parados na fila do trânsito. Que o tempo perdido ali, sob o calor escaldante de certos dias, é algo absurdo.

A vida não pode ser esta mera repetição de fatos como num telejornal. Não. Deve haver vida inteligente em outras esferas, além do Google e de toda máquina inventada para que nos comuniquemos num mundo em que poucos se olham nos olhos.

Enquanto a imaginação me transporta a este lugar sonhado, penso que não há sentido nesta falta de dimensão humana em todas as coisas. Mergulhados na expectativa dos tempos, nos distraímos. Esta espera pode trazer algum sentido para nós. Já se vislumbra algo no ar, que não tendo a concretude do aço, é a própria esperança em pessoa.

Há de haver, eu presumo, ou pressinto, um horizonte luzidio e creio vê-lo, translúcido e ofuscante. Porém, à medida que me aproximo dele, desvanece-se qual miragem no deserto, bem quando pareço estar quase lá. E quase estive, por diversas vezes.

Mesmo à distância, detalhes são distintos. Vejo seres diáfanos, feitos de puro amor, habitando moradas de cristal. Não andam, flutuam. Não falam, olham-se. Não há mais lágrimas para chorar, nem dor, nem luto e a harmonia vem de uma música etérea.

Vejo este lugar nos meus sonhos e ele pulsa no gesto de quem faz o bem sem olhar a quem. Há de haver uma lei pétrea, um passaporte divino para transpor o portal de acesso a esta terra prometida.

Sei que esse lugar existe e o que nos separa dele é um tênue véu. Se levantarmos uma pequena ponta dele, veremos o inimaginável. Eu vi e prefiro me calar. Porque a imagem de sonho faz parar o coração.

Este lugar existe. Eu sei que sim, porque eu o vi, com os olhos da fé.

 

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1 comentário

  1. Thais Helena Guidolin em 30/10/2013 às 01:37

    Lindo seu texto Marisa! Um prazer ler textos assim. Obrigada por brindar-nos com tal bálsamo.Um abraço, Thais

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