Vamos plantar árvores, mas ‘com os pés no chão’

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(imagem de Ryan McGuire, por Pixabay)

Para o professor Pedro Brancalion, do Departamento de Ciências Florestais da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq/USP), o simples ato de plantar árvores não resolverá por si só problemas ambientais como as mudanças climáticas e a extinção de espécies. “Pode ser uma solução entre um conjunto bem mais amplo de opções que devem ser consideradas e, quando escolhido, o plantio de árvores deve ser realizado com pragmatismo, levando-se em consideração os diversos fatores que definem seu sucesso para atingir determinado objetivo”. Segundo o docente, vale a máxima enunciada pelo jornalista americano H.L. Mencken (1880-1956) – “para todo problema complexo, há sempre uma solução clara, simples e errada”.

Em um artigo de perspectiva publicado na revista científica Science, Brancalion e a profª Karen Holl, da Universidade da Califórnia em Santa Cruz, EUA, endossam os benefícios potenciais trazidos pelas árvores, mas advertem contra a visão simplista do plantio de árvores como uma panaceia para a degradação ambiental. (Confira artigo na íntegra)

“As árvores estão profundamente arraigadas na psique humana”, diz Brancalion, especialista na restauração de florestas tropicais e vice-coordenador do Pacto pela Restauração da Mata Atlântica. “É muito gratificante plantar uma árvore, vê-la crescer e descansar em sua sombra. É algo que toda pessoa deveria fazer um dia, dizem”.

De acordo com Brancalion, o plantio em larga escala de árvores, como o plano de plantar 1 trilhão de árvores anunciado no Fórum Econômico Mundial de 2020, apesar de muito bem-vindo e importante, demanda um planejamento muito mais complexo do que a maioria dos entusiastas do plantio de árvores imagina. “É preciso planejamento de longo prazo, envolvimento social e integração com outros usos do solo”, complementa.

Finalmente, o professor da Esalq defende que “plantar árvores pode ajudar a biodiversidade, melhorar a qualidade da água e sequestrar carbono, mas dependendo de onde e como as árvores são plantadas, essa atividade pode ser danosa para campos e cerrados nativos, reduzir o suprimento de água e agravar conflitos locais”.

No artigo publicado na Science, Holl e Brancalion sugerem quatro recomendações gerais para orientar as iniciativas de plantios de árvores:

o   Reduzir o desmatamento e a degradação florestal: proteger e manter as florestas existentes pode ser uma solução mais eficiente, ecologicamente correta e menos dispendiosa do que plantar árvores. “Por exemplo, os países do G7 anunciaram em 2019 que criariam um plano ambicioso de reflorestamento para compensar o crescimento alarmante do desmatamento e das queimadas na Amazônia”, comenta Brancalion. “Seria um plano inócuo, já que esses problemas decorrem da inoperância da fiscalização ambiental e de incentivos políticos perversos à destruição da floresta, que não seriam resolvidos apenas com o plantio de novas árvores”.

o   Considere o plantio de árvores como uma parte de soluções ambientais multifacetadas: o aumento da cobertura de árvores é uma das melhores opções para ajudar a mitigar as mudanças climáticas, mas compensaria apenas uma parte das emissões de gases de efeito estufa necessárias para manter a elevação da temperatura em patamares toleráveis, sendo imprescindível reduzir drasticamente as emissões desses gases.

o   Equilibre objetivos sociais e ecológicos: reconheça os usos concorrentes da terra e foque em paisagens e estratégias de reflorestamento que maximizem tanto os benefícios ambientais como os econômicos. “A melhoria do manejo das pastagens degradadas brasileiras, que ocupam cerca de ¾ de toda a área em uso agropecuário no país, seria suficiente para liberar milhões de hectares para a regeneração florestal, sem necessidade de plantar árvores, ao mesmo tempo que continuaria ajudando a suprir a demanda crescente por proteína animal”.

o   Planeje, coordene e monitore: integre as diferentes partes interessadas no plantio de árvores, incluindo governos, sociedade civil organizada e produtores rurais, para definir objetivos, resolver conflitos e garantir a máxima eficácia a longo prazo. Plantar árvores não garante que elas sobreviverão; uma análise dos esforços de restauração florestal no Sri Lanka após o tsunami de 2004 mostrou que menos de 10% das árvores sobreviveram em 75% dos locais.

“A maioria das pessoas imagina o plantio de árvores como o simples ato de abrir um buraco no chão, colocar uma muda de árvore e preencher esse buraco com terra. Na prática dos grandes projetos, trata-se de uma atividade bastante complexa e multidisciplinar, que envolve conhecimentos de silvicultura, ciências sociais, economia e administração. Os maiores desafios hoje não estão em saber quais espécies plantar e como devem ser plantadas, mas sim em como criar condições favoráveis ao reflorestamento, superando os entraves econômicos, culturais e políticos que ainda limitam a permanência e o aumento da cobertura de árvores em propriedades rurais”, conclui Brancalion.

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