Dialeto e sotaque caipiracicabanos tornam-se patrimônios imateriais de Piracicaba

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Neste ano de 2016, a cidade de Piracicaba viveu um momento histórico e único, com o tombamento do dialeto e sotaque caipiracicabanos, um ato de reconhecimento de seus valores culturais, que os transformam em patrimônios imateriais do município, promulgado pelo prefeito Gabriel Ferrato, em solenidade no dia 25 de agosto.

O pedido de registro do dialeto e sotaque caipiracicabanos como patrimônios imateriais partiu do ICEN – Instituto Cecílio Elias Netto, que, unido a outras três entidades culturais – o Instituto Histórico e Geográfico de Piracicaba (IHGP), a Associação Piracicabana de Artistas Plásticos (APAP) e a Academia Piracicabana de Letras (APL) –, requereu junto ao CODEPAC – Conselho de Defesa de Patrimônio Cultural de Piracicaba o seu devido reconhecimento.

Vale ressaltar que o Dicionário do Dialeto Caipiracicabano – Arco, Tarco e Verva, de Cecílio Elias Netto, oficializado como Livro-Símbolo da cidade (Decreto Legislativo nº 15, de 30/8/2001), serviu como documento comprobatório e foi peça-chave para o referido registro, um reconhecimento mais que justo, levando-se em consideração que o sotaque é fundamental para a identidade de um povo.

O carioca é facilmente identificado através de seu sotaque. Ele abre a boca e todos conseguem localizar sua origem. O mesmo acontece com o gaúcho, com o mineiro e com o nordestino. E, dentro de São Paulo, Piracicaba é a que mais guarda esse tesouro linguístico. O “falar caipira” sofre muita variação de região para região, mas possui fortes raízes na cidade de Piracicaba, onde o ‘erre’ é muito mais puxado. Além de uma identidade, o dialeto caipiracicabano é visto e reconhecido pelas autoridades locais como um patrimônio público, uma verdadeira grife.

O Dicionário do Dialeto Caipiracicabano – Arco, Tarco e Verva, de Cecílio Elias Netto, oficializado como Livro-Símbolo da cidade (Decreto Legislativo nº 15, de 30/8/2001), serviu como documento comprobatório e foi peça-chave para o referido registro

O Dicionário do Dialeto Caipiracicabano – Arco, Tarco e Verva, de Cecílio Elias Netto, oficializado como Livro-Símbolo da cidade (Decreto Legislativo nº 15, de 30/8/2001), serviu como documento comprobatório e foi peça-chave para o referido registro

O que é Patrimônio Imaterial?

O patrimônio cultural brasileiro é composto de bens de natureza material e imaterial, incluídos aí os modos de criar, fazer e viver dos grupos formadores da sociedade brasileira. Os bens culturais de natureza imaterial dizem respeito àquelas práticas e domínios da vida social que se manifestam em saberes, ofícios e modos de fazer; celebrações; formas de expressão cênicas, verbais, plásticas, musicais ou lúdicas e nos lugares, tais como mercados, feiras e santuários que abrigam práticas culturais coletivas.

Essa definição está em consonância com o Decreto Federal nº 3.551, de 4 de agosto de 2000 (instituindo o Registro de Bens Culturais de Natureza Imaterial que constituem patrimônio cultura brasileiro e criando o Programa Nacional do Patrimônio Imaterial) e com a Convenção da Unesco para a Salvaguarda do Patrimônio Cultural Imaterial, ratificada pelo Brasil em 1° de março de 2006, que define como patrimônio imaterial “as práticas, representações, expressões, conhecimentos e técnicas – junto com os instrumentos, objetos, artefatos e lugares culturais que lhes são associados – que as comunidades, os grupos e, em alguns casos, os indivíduos reconhecem como parte integrante de seu patrimônio cultural”.

 

MOÇÃO Nº 093/15 (encaminhada ao Chefe do Executivo Municipal)

De APELO ao Chefe do Executivo Municipal para que reconheça como patrimônios imateriais do município o sotaque e o dialeto caipiracicabanos, seguindo assim o que determina o Decreto Federal nº 3.551, de 4 de agosto de 2000.

Imaginem um piracicabano dizendo: “Tenho orgulho do Nhô Quim, da beleza do sarto, das arvre que embeleza a cidade, das fror, das muié linda pra mais de metro, dos home crâneo da ciência, dos industriar…” Ao ouvir essa maneira de falar, estamos diante de uma preciosidade linguística que marca a identidade de nosso povo:  o sotaque e também um dialeto.  Pois, entre outros entendimentos, dialeto é:

1 – “variedade linguística coexistente com outra que não pode ser considerada uma língua. Ex: dialeto caipira, dialeto nordestino, gaúcho”. E, por conseguinte, o que já consagrou como dialeto caipiracicabano.

2 – “variedade regional de uma língua cujas diferenças com a língua padrão são tão acentuadas que dificultam a intercomunicação de seus falantes com os de outras regiões.”Ex: o caipiracicabanismo “queorsão”, significando “que horas são”. E mais: expressões cotidianas das populações de Santana e Santa Terezinha

Para o jornalista Cecílio Elias Neto, grande estudioso do tema, “muito se tem procurado explicar a chamada ‘linguagem caipiracicabana’ que, no entanto, nada mais é do que a própria linguagem caipira paulista.” Todas as teses – de que seria maneira de falar influenciada por migrações norte-americana na região e a italiana – não têm fundamento. O Vale do Tietê Médio – onde se situa Piracicaba – e o Vale do Paraíba mantêm resquícios dessa ‘cultura caipira’ que é muito forte, do ‘português’ arcaico. A própria palavra caipira significa essa “cultura antiga” que ficou à margem dos rios percorridos pelo colonizador e onde se alojava a nação tupi-guarani. ‘Cáa i pira’, em tupi, (caá=mata, i=água, pira=peixe) – remete ao homem que sobrevive na mata que acompanha o rio e onde encontra o peixe. É a formação do povo piracicabano, caipira pela própria natureza.

Estudo apresentado à USP pela professora Ada Natal Rodrigues confirma ter havido o encontro de duas etnias – o português arcaico e o tupi-guarani – formando essa linguagem e essa cultura caipiras, o “falar feio e bonito”. Quando o sertanista se tornou sedentário e os filhos passaram a frequentar colégios, o “falar” passou a ser chique, mas o “sotaque” piracicabano, que Piracicaba assumiu como “caipiracicabano” permaneceu.

O sociólogo José de Souza Martins define o “nheengatu” (que significa falar bonito) como o primeiro linguajar paulista. Assim, ao contrário do que se pensa, o “falar caipira” nasce na povoação de São Paulo, hoje capital, e se estende vagarosamente ao interior. O Tietê-Médio absorve-o fixamente e, nesta região, Piracicaba – como um centro cultural importante desde o início – torna-se como que o “nicho protetor” dessa linguagem, desse sotaque e de um dialeto próprio.

Na instalação dos povoados – quando os sertanistas deixaram de ser errantes, fixando-se – a maneira de falar ficou e criou-se o dialeto: o abrandamento dos “erres” e o arredondamento dos “eles”, o chamado “erre retroflexo” que é pronunciado com a língua retraída para o fundo. O “perarta” no lugar de peralta, o “sarto” no lugar de salto são parte dessa linguagem.

O dialeto e o sotaque caipiracicabanos são ricos originais e diferenciados e constituem um traço marcante que encanta quem vem de outras paragens.

O surgimento do livro “Dicionário do Dialeto Caipiracicabano – Arco, Tarco, Verva”, do já referido Cecílio Elias Netto, tornou-se um registro escrito desse tesouro linguístico que produziu um fato novo: Piracicaba deixou de sentir-se incomodada por sua maneira de falar, passando a orgulhar-se de sua identidade caipira.

O livro espalhou-se pelo Brasil, está prestes a completar 30 anos já caminhando para a 6ª edição, e se tornou, também, referência dessa identidade cultural já batizada como “caipiracicabanismo”, neologismo criado pelo escritor Thales de Andrade, popularizado por João Chiarini, e selado no “Dicionário do Dialeto Caipiracicabano.”

Toda essa riqueza cultural – da qual a linguagem é um dos fundamentos essenciais -merece ser reconhecida como patrimônio imaterial, que se transmite de geração em geração, sendo constantemente recriado pelas comunidades e grupos em função de seu ambiente, de sua interação com a natureza e de sua história, gerando um sentimento de identidade e continuidade e contribuindo assim para promover o respeito à diversidade cultural e à criatividade humana.

As políticas de patrimônio imaterial não existem apenas para conferir títulos, mas para que os governos assumam compromissos de preservação de seus bens culturais, materiais e imateriais, como o sotaque e o dialeto caipiracicabanos.

Os compromissos assumidos pelo governo para com essa salvaguarda devem envolver ações de estímulo, promoção e de valorização, seja na preservação das características identitárias dessa manifestação popular, na formação de redes, de cooperação e de transmissão de conhecimento.

Por tudo isso submetemos à apreciação do Plenário, nos termos regimentais, a presente MOÇÃO DE APELO ao Chefe do Executivo Municipal para que reconheça como patrimônios imateriais do município o sotaque e o dialeto caipiracicabanos, seguindo assim o que determina o Decreto Federal nº 3.551, de 4 de agosto de 2000.

Sala das Reuniões, 21 de maio de 2015.

(a) José Antonio Fernandes Paiva

(a) Adair Doniani

(a) André Gustavo Bandeira

(a) Ary de Camargo Pedroso Júnior

(a) Carlos Alberto Cavalcante

(a) Carlos Gomes da Silva

(a) Dirceu Alves da Silva

(a) Francisco Almeida do Nascimento

(a) Gilmar Rotta

(a) João Manoel dos Santos

(a) José Aparecido Longatto

(a) José Benedito Lopes

(a) Laércio Trevisan Júnior

(a) Luiz Antonio Leite – Madalena

(a) Luiz Carlos Arruda

(a) Márcia G.C.C.D. Pacheco

(a) Matheus Antonio Erler

(a) Paulo Henrique Paranhos Ribeiro

(a) Paulo Roberto de Campos

(a) Paulo Sérgio Camolesi

(a) Pedro Luiz Cruz

(a) Pedro Motoitiro Kawai

(a) Ronaldo Moschini da Silva

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