Num sábado, oito de dezembro

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Às 12h47min, precisamente do sábado, no Engenho Central, uma ave preta, um mergulhão, pousou no poste de energia elétrica logo na entrada da área tombada do complexo. Estava molhado, abriu as asas para secar-se e abanar-se naquela manhã um pouco ventosa, de sol indeciso. Abriu-as com firmeza e estas tocaram nas duas fases da rede de alta tensão. Fusíveis explodiram de imediato com um barulho que assustou vários frequentadores do local. A pobre ave morreu instantaneamente e lá quedou com as asas abertas, seu último glorioso mas infeliz ato, conquanto talvez tivesse havido alegria real mas derradeira naquele estirar das asas, quem sabe?

Sete minutos antes, um casal simpático tentava chamar a atenção de cinco belos cães de portes médios, quase grandes, com pelos longos, pertencentes a raças que o casal não sabia identificar. Os cães conheciam bem seus cuidadores e não davam bola àqueles dois xeretas, até que um deles, uma fêmea de três cores e focinho comprido bem elegante resolveu pegar um pedaço de madeira e apresentar ao casal que acabou por perceber que ela desejava que fosse atirado ao longe, de brincadeira, para buscar. A mulher brincou com a cadela, a qual ia buscar o pedaço de madeira todas as vezes que era atirado. Outro dos cães se envolveu no jogo, implicando com a companheira canina que buscava o galho seco, parecendo enciumado de alguma coisa.

Quinze minutos antes de o curto-circuito ocorrer, um senhor com próteses de ambas as pernas, que tinham sido amputadas, entrou no Engenho num triciclo adaptado e se dirigiu à lojinha de artesanatos onde foi abordado por um homem jovem que, usando de delicadeza, pediu informações sobre como ele conseguira as próteses.

– Foi pelo SUS? indagou.

O senhor foi atencioso em responder, a conversa fluiu até que o jovem se sentiu à vontade para tentar perguntar sobre o motivo de sua condição, obtendo uma resposta até que gentil.

Às 12h40min passava uma mulher corajosa, mas com o coração partido, que se deteve a olhar o (de momento) volumoso rio Piracicaba com mirar desfocado, buscando alívio para sua dor. Um poeta que passava às 12h46min sentia-se feliz e cheio de energia de vida, mas não notou a mulher triste. ÀS 12h e 47min em ponto, a ave abriu como dissemos, as asas molhadas. O barulho foi bem alto e ouvido por muitos.

– Puta que pariu! Disse o homem do casal que brincava com os cães. A mulher se assustou também mas nada comentou, acostumada com os tantos barulhos dessa cidade pouco tranquila e não silenciosa.

Os cães se espantaram bastante com a explosão e buscaram, a correr, refúgio próximo aos donos. A moça rejeitada, que sofria, imaginou que aquilo representasse o estilhaçamento de seu coração ou um trovão místico para acordá-la do seu torpor. O homem do triciclo interrompeu a conversa com o estranho que o abordara e disse que precisava ir embora, parecendo lembrar-se de algo importante.

Um guarda civil do local apareceu nas imediações tentando descobrir donde provinha o estrondo. Já o poeta, após ter percebido o que acontecera, tendo sido alertado por outro frequentador do lugar, que não entrara nessa história mas conhecia os meandros misteriosos da eletricidade, sofreu ao ver o pássaro como que crucificado entre os fios e avaliou haver semelhança na exultação que ele próprio sentia nesse sábado e a última ação aparentemente tão segura do pássaro, que a urbanização não se importava em matar.

Somos iguais, pensava ele, nos nossos cotidianos e nos enganos. A vida é tão breve, a morte o único caçador! Etc… etc… elucubrava. Mais uma porção de pensamentos bonitos, úteis, necessários ou inúteis também surgiram qual água da mina; coisa que poetas e filósofos, vira e mexe, costumam ter. Disso bem sei.

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