Vícios e Transtornos

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Felipe Augusto Elias, 48 anos, é um pai dedicado. Acorda cedo, antes de o sol nascer, toma banho, barbeia-se, escova os dentes, veste-se e apronta-se para o dia. Em seguida, recomeça a mesma rotina auxiliando os filhos: coloca-os no chuveiro, ensaboa-os, enxágua-os, seca-os, barbeia-os, penteia-lhes os cabelos, escova-lhes os dentes e serve-lhes o café da manhã. Eles adoram assistir, na televisão, a programas de pescaria e de corridas de fórmula 1. Vêem o mesmo episódio dez, doze vezes seguidas. Os moços Víctor, 28 anos, e Vinícius, 26, são autistas severos. Não aprenderam a falar e têm dificuldade para se locomover.

O Transtorno do Espectro do Autismo —TEA — reúne desordens no desenvolvimento neurológico desde o nascimento, ou no começo da infância. Segundo o Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais — DSM-5 —, referência mundial em critérios diagnósticos, as pessoas acometidas podem apresentar déficit na comunicação social, ou na interação social, como nas linguagens verbal e não verbal e na reciprocidade socioemocional; padrões restritos e repetitivos de comportamento, como movimentos contínuos; interesses fixos e hipo, ou hipersensibilidade a estímulos sensoriais. Todos os pacientes com autismo partilham essas dificuldades, mas, cada um se apresenta em intensidade diferente, resultando em condições bem particulares.

Dá-se o nome de espectro a tais distúrbios, justamente por se manifestarem em diferentes níveis de intensidade. Uma pessoa diagnosticada como de “grau 1 de suporte” apresenta prejuízos leves que podem não a impedir de estudar, de trabalhar e de se relacionar.  Já o indivíduo “grau 2 de suporte” apresenta um menor grau de independência e necessita de algum auxílio para desempenhar funções cotidianas, como tomar banho ou preparar sua refeição, por exemplo.  Por fim, o autista “grau 3 de suporte” manifesta dificuldades graves e costuma precisar de apoio especializado ao longo de toda a vida.

O marceneiro Felipe levava uma vida normal para um jovem da sua época. Frequentava a escola e, nos finais de semana, organizava, com os amigos e com os irmãos, brincadeiras dançantes. Gostava de pegar um cigarro dos amigos para fumar, mas nunca adquirira um maço para si. Após algum tempo, seus irmãos Flávio e Frederico, tornaram-se fumantes regulares.

Define-se como fumante social aquele que não costuma fumar sozinho, e o faz eventualmente, em programas com amigos e em situações sociais, como festas, bares e baladas. Acredita que não corre o risco de se tornar um fumante regular — aquele já fumou mais de 100 cigarros, ou cinco maços, na vida. Engana-se. Embora haja diferença entre fumar um maço por dia e um maço por semana, os estudos epidemiológicos mostram que não há nível seguro de consumo para o cigarro. O fumante eventual corre os mesmos riscos de quem fuma frequentemente, embora em menor proporção. Também acha que pode parar quando quiser todavia, quando tenta, percebe que sente a falta da substância. Instalou-se o vício na nicotina.

Felipe casara-se, muito jovem, com Roseny e, aos 21 anos, com o nascimento do primeiro filho, suas vidas mudariam completamente, em definitivo. Desde muito cedo, após o diagnóstico dos filhos, investiram em seu desenvolvimento e bem-estar com múltiplas terapias, como aulas de natação e de equoterapia, tratamentos com fonoaudiólogas e com terapeutas ocupacionais. Frequentaram o Centro de Reabilitação de Piracicaba por muitos anos. Em 2020, à época da pandemia da COVID, Felipe viu-se preso em casa, sem conseguir arranjar serviço — trabalhava como autônomo—, via as contas chegando, o dinheiro acabando e, sem poder contar com a rede de suporte que possuía, sentiu-se como uma panela de pressão que precisa extravasar. Saiu, comprou um maço de cigarros e, aos 43 anos, tornou-se fumante. Logo estaria consumindo 20 cigarros por dia.

Em sua casa espaçosa no bairro da Paulista, adoram receber os amigos e os parentes na área gourmet ou no quintal, debaixo da jabuticabeira ou em volta da piscina. A mãe, a esposa e os irmãos iniciaram uma campanha de incentivo para Felipe parar de fumar. Eu também o convidei a fazer o tratamento, mas, até o dia em que conversamos para colher informações para esta crônica, não havia agendado consulta.

*Dra. Juliana Barbosa Previtalli – médica cardiologista, integrante do Corpo Clínico da Santa Casa de Piracicaba; diretora científica da SOCESP regional Piracicaba; idealizadora do projeto antitabagismo “Paradas pro Sucesso”.

A Província apoia o projeto e a campanha antitabagismo “Paradas pro Sucesso”. Para acompanhar outras crônicas desta série, acesse a TAG Paradas pro Sucesso.

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