“In Extremis” (100) – De mais feminino, precisa-se

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(imagem de Barbara808, por Pixabay)

 

Tanto se banalizaram as riquezas da Vida que, ultimamente, hesito em referir-me a homem e mulher. Homens feminizam-se, mulheres masculinizam-se. E, ao fazê-lo, mal percebem o ridículo a que se expõem. E que provocam. O Sol foi é tido como masculino, em toda a vida que esbanja e, também, nas dores que causa. A Lua é feminina e, por isso mesmo, surpreendente, encantadora, misteriosa semanalmente provocando a ser decifrada. Prefiro, pois, diante das belezas naturais de um homem e de uma mulher, referir-me ao masculino e ao feminino que representam. Tudo diz respeito a O e A, a UM e UMA – o neutro é raríssimo. Mas existe.

Admito ser delírios de um escrevinhador. Mas delirar é preciso, numa época em que nos roubaram até mesmo os mais acalentados sonhos. Como é possível haver quem não reconheça ser, a Vida, um milagre, graça, privilégio?  E que, portanto, há que ser dignificada? Que loucura é essa de acreditar haver donos no e do Mundo, se somos, apenas, hóspedes, passageiros? Quem, ao morrer – e não importa haja ou não outra forma de existência – levará um só punhadinho de terra daqui? Dia chegará em que aprenderemos ser apenas condôminos de tantos bens. E, então, haverá mais respeito. Quem sabe?

Mas estou apenas querendo escrever a necessidade que penso ser cada vez mais urgente em nossos tempos: a premência do feminino. Penso em céus e infernos, tão masculinos. Então, vejo-me na Terra, tão feminina, onde acontecem a existência, a alegria, a dor, a fé, a esperança, a tristeza – realidades identificadas como femininas. O Mundo, masculino; a Terra, feminina. O mar, o oceano, masculinos: a praia, a areia, as ondas, a água, femininas. A noite, com seus mistérios, medos, inquietações e maravilhamentos – toda feminina. O dia, exposto, revelado, exigente – masculino. Pensem bem: o dia-a-dia desafiador, complicado, feito de cobranças – e a noite convidando ao descanso, ao silêncio, ao amor, aos segredos, ao convívio. E esse mesmo dia, tão masculino, não se completa, ele, por ser feito do feminino da manhã, da tarde, da própria noite?

O mundo está masculino demais, pois impregnado de ódios, de rancores, de desesperos, sentimentos tão nefastos. Seria tudo mais fácil se o ódio fosse substituído pelas tão femininas raiva e cólera, menos nefastas porque passageiras. O amor, esse decantado e tão masculino amor – como é múltiplo! Amor paterno, materno, filial, fraterno, amor de amantes, amor platônico, amor possessivo – quantas formas de amor e de amar! Mas eis a feminina paixão, irrefreável, única, incontrolável, contendo, ao mesmo tempo, céus e infernos, vida e morte.

São femininas as virtudes cardeais, fé, esperança e caridade. São femininas a compreensão, a misericórdia, a paz, a bênção, a ternura, a gentileza, a comunhão, a fraternidade, a amizade, a generosidade, como também a guerra que é solução final para o egoísmo de nações, para a perda de todo o feminino que pode evitá-la. A árvore dá frutos, caules, masculinos. Mas isso acontece pela exuberância de seu feminino: a raiz, as folhas, as flores.

Ao final, apenas reflito em como seria bom se esse feminino feito de tanta vocação para embelezar e cuidar ascendesse com mais vigor. Parece-me loucura desperdiçarmos tanta vocação, tanta inclinação e tendência para a generosidade com questões menores. Precisamos do feminino cada vez mais. E urgentemente. Porque, então – tenho certeza disso – o verdadeiro do masculino haveria de revelar-se com mais segurança: o perdão, o remorso, o conforto e reconforto. E, enfim, o encontro.

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