“In Extremis” (115) – O eterno feminino

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(imagem de Pete Linforth / Pixabay)

Foi há pouco tempo, em 2018. Naquele ano – tendo como coautores minha filha Patrícia e o editor Arnaldo Branco Filho – escrevi o livro que avalio ter sido o mais desafiador de minha vida literária. Refiro-me a “Mulheres, semeadoras de cultura”, editado pelo ICEN, com o fundamental apoio da Caterpillar e prefaciado por sua diretora, Andrea Z. Park.

Já ao início do trabalho – e com a concordância de meus companheiros – tentei confirmar o grande desafio. E escrevi: “Estas páginas nada mais serão do que o olhar sincero, honesto e até mesmo pretensioso de seus autores, dois homens e uma mulher. E, portanto, é, a nossa, uma visão superficial. E perplexa. Pois sabemos ser impossível sequer tentar compreender o incompreensível. Ora, a mulher é incompreensível, assim como incompreensível é a própria vida.”

Permito-me transcrever outro trecho para, em seguida, tentar explicar-me: “E, em nenhuma outra época como agora, talvez, esteja no coração da mulher uma resposta a tempos que se pretendem apenas racionais, pragmáticos. Pois a mulher sabe reunir cacos, transformando-os em unidade. (…) Pensar com o coração, intuir, sentir e pressentir – eis o tesouro que é privilégio exclusivo da mulher. Pretendemos, pois, confessar nossos respeito e admiração ao Eterno Feminino.”  

Dessa audácia literária – e alegre por vê-la confirmar-se – gratifiquei-me ao ouvir e ver a cientista Luana Araújo testemunhando na chamada CPI da Covid, no Senado Federal. Espontaneamente, surgiu-me, então, aos lábios a milenar expressão: “Ecce homo!” Sim, “eis, a mulher”! Pois, “homo”, palavra latina, é adjetivo e substantivo dos dois gêneros, feminino e masculino. “Ecce homo!” – Luana apareceu num dos mais sombrios momentos de nossa história. E – como o disse um dos senadores – surgiu “qual um facho de luz” naquele ambiente de tantas farsas e engodos.

Luana Araújo fez o que lideranças nacionais de todos os níveis negaram-se a fazê-lo até aqui: desmascarar políticos despreparados, mistificadores da verdade, soldados posando de generais, generais aceitando ser sargentos, comandantes sem comando. Luana Araújo fez-nos reaprender com a velha fábula do menino que via o que os adultos fingiam não ver: o rei está nu!

Talvez, a grandeza moral dessa mulher não nos baste por si mesma. No entanto – para mim próprio, em minha perplexidade – Luana Araújo faz-nos, alegremente, relembrar das revoluções políticas, sociais, econômicas deflagradas pela mulher ao longo da História. Pensemos, de início, na própria Revolução Francesa, precedida de um explosivo protesto feminino contra a realeza. E de que, desde as alegorias bíblicas, é ela, a mulher, que revoluciona o mundo, através de Eva. Não haverá, porém, espaço suficiente para lembrarmos dos inumeráveis movimentos deflagrados pela mulher. Lembram-se das Mulheres de Atenas, enviando seus homens para luta?

Detenho-me por aqui. Racional e emocionalmente, entendo e sinto que Luana Araújo – mesmo não tendo pretendido fazê-lo – atingiu consciências adormecidas, vontades reprimidas, indiferenças ressentidas. Uma rima, sim. Que, para muitos, pode reabilitar a vergonha perdida. Se um governo não esteve à altura de Luana Araújo, o Brasil está à altura da mulher brasileira. E, a ela, pede socorro.

Nesta nossa hora tão dolorosa – de ódios, de horrores, de ameaças ditatoriais, de um perigoso retorno militarista, de pequenezes – Luana, para mim, despertou a certeza de, realmente, a esperança estar no Eterno Feminino, de Goethe: “O eterno feminino nos eleva.”

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