“In Extremis” (143) – 2022 e o número perfeito

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(imagem: Magda Ehlers, no Pexels)

Na realidade, números são, para mim, derrota com a qual ainda não me conformo. Sinto, até mesmo, ser fracasso diante de minha família e de sua herança árabe. Aquele mundo oriental que me inundou a infância – quibe, marfufe, myjadra, perfumes, cores – orgulhava-se da contribuição dos ancestrais em relação aos números. Depois dos hindus, foram árabes, babilônios, chineses, egípcios que – de criação em criação – chegaram ao sistema decimal. Aritmética, matemática são orgulho do mundo árabe. E, descendente, tornei-me um marginal diante das chamadas ciências exatas.

A tristeza, porém, está em ter sido, eu, um dos primeiros alunos de minha turma. E – eis o incrível – tinha paixão por números, influência direta de meu pai. Até que um dia… Bem, já contei, mas vamos lá…  Aconteceu de um novo professor – admirando minhas notas anteriores – ter-me chamado para perguntas. Agressivo, ele nos intimidava, a nós, alunos. Ainda adolescente, fiquei nervoso e ele me pediu para declinar o enunciado do teorema de Pitágoras. Ora, eu sabia, ainda hoje me lembro. Mas, trêmulo, não consegui responder. E ele zombou: “O senhor tirou 10 o mês passado. Aqui, nesta escola, a nota máxima é 10 ou 100?”  E, também nervosa, a classe toda riu.

Foi o fim de minhas relações com as ciências exatas. No entanto, números nunca deixaram de fascinar-me. A alma árabe não engana. E não me esqueço das maravilhas de Malba Tahan, em “O homem que calculava”. Encantei-me com a magia que há nos números, o significado que lhes foi dado ou reconhecido. Que aventura de, a partir dos dedos das mãos, o homem conseguir imaginar o infinito!

A humanidade rende-se à mística dos números. A que se credita ao número 7 é universal. Deus criou o mundo em sete dias; sete sacramentos, os sete pecados capitais, os sete dias da semana… O 8, para cristãos e judeus, tem significado especial, da ressurreição de Cristo e do oitavo dia, vida nova. E os números mágicos, números de ouro? Para mim, números são absolutamente enlouquecedores. Pois tenho certeza: se, matemático tivesse sido eu, louco varrido estaria há muito, muito tempo.

Ainda hoje – ressentido, magoado com aquele professor – tenho manias permanentes com números. Vejo placa de automóvel e lá estou, de imediato, tirando a prova dos nove. Número de telefones, de residências… Malba Tahan marca-me a vida e faço minhas fantasias com os números.

Eis, pois, que, solenemente, declaro  2022 o ano do número perfeito. Pois, pelo que sempre li, o número perfeito é o 6. Fácil de entender: 1+2+3=6, soma simples. Multipliquemos: 1X2X3=6. E, agora, gloriosamente procuro descobrir o mistério de 2022. Fácil também: 20+22= 42. Logo, 4+2= 6. E tem mais: o ano tem três números dois. De forma que 2+2+2=6. Portanto, invento ver, no ano que se aproxima, o número perfeito.

Mas e daí? Ora, e daí! Daí que, nos delírios de minh´alma árabe, acredito no “maktub”, o estar escrito nas estrelas. E, ainda hoje, consigo mergulhar nas fantasias persas das Mil e Uma Noites. Cada noite, uma história; cada dia, um mundo novo. Isso, pois, significa a necessidade vital de “fazer de conta”. Em 2022, com o número perfeito, eu faço de conta que tudo poderá ser perfeito. Poderá, poderá! E quero acreditar dependa de cada um, de sua vontade de fazer, do desejo de construir. Por que não desejar, por que não insistir que haverá paz, justiça, fraternidade, amor, compaixão? É o que, pelo menos, desejo a todos nós. Se está escrito, tem que acontecer. Por que não?

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