“In Extremis” (239) – Rua do Porto, ainda: cuidar ou…
Dou-me o direito – que, também, é dever – de apoiar-me em algo que, ao mesmo tempo, me é privilégio e responsabilidade. Hei que insistir: chego a meus 68 anos de jornalismo vividos em nossa terra e com nossa gente. Alegrias intensas com, porém, dores e tristezas talvez ainda mais agudas. Se me atrevo a ainda exercê-lo, continuarei prisioneiro desse dever. Logo, a “ladrar como cão de guarda”.
Tempo virá em que candidatos a cargos eletivos serão submetidos a verdadeiros exames vestibulares cobrando-lhes competência e conhecimento como garantia de suas pretensões. Como, por exemplo, alguém pretender ser legislador se nada entender de legislação? E como ousar administrar uma cidade – e, portanto, servir à sua complexa população – sem nada saber da desafiadora realidade? Como exercer cargos no Executivo e Legislativo municipais sem conhecimento de uma história feita de grandezas, de conquistas e, também, de muito sofrimento? Não nos bastam, já, as terríveis machucaduras na alma desta cidade?
O oportunismo e os apetites políticos já nos levaram a perdas irreparáveis. E, lembremos: a cidade é a morada de um povo. Seu lar. Sua história. Quem não cuida de seu lugar de viver, de morar, de amar, de formar família? Pois tais ameaças, cada vez mais aceleradamente, alcançam não apenas a Rua do Porto, mas grande extensão da orla ribeirinha. Parece, até mesmo, estarmos atacados por um renascido espírito selvagem do primitivo capitalismo.
Quem se atreve a violar uma igreja, um templo, um monumento secular? Pois a nossa beira-rio é o espaço histórico e sentimental desta terra privilegiada. Portanto, também parte de nossa espiritualidade e cultura. Torná-la uma região turística implica, pois, responsabilidades acima de apetites particulares. E de fugazes oportunismos políticos de plantão. Atentemos, como referência, ao “Caminito”, de Buenos Aires. Ninguém ousa banalizá-lo, usando-o apenas comercialmente. Preserva-se uma história que se tornou lenda.
Sou testemunha de a questão turística ter sido despertada em 1956, logo à primeira administração de Luciano Guidotti. Os jornalistas Losso Netto (JP) e S. Ferraz (Diário) lançaram um auspicioso movimento para Piracicaba abrir-se em seus encantos. À sucessão de Luciano, Salgot Castillon assumiu a proposta, realizando a ampla reformulação do Mirante, obra visionária para a época. Estávamos no Brasil de Juscelino Kubitschek.
Sonhava-se. Era possível criar, produzir. Artes, esportes, cultura davam-se às mãos. Comércio e indústria confiavam. Sem o saber, estávamos nos “anos dourados”. A Rua do Porto era um lugar bucólico, lugar “de ir e de ver”. Onde comprar peixes ao final da semana, colhidos, pescados “na hora”, ouvindo, no Largo, mentiras de homens sonhadores.
Outras administrações municipais cuidaram de promover a histórica área. Mas a degradação do lugar mostra-se cada vez mais evidente. E, lamentavelmente, sem a ação governamental para estabelecer regras e exigir sejam cumpridas. Mesmo como centro gastronômico, a Rua do Porto está desprotegida. Não se fiscaliza nem mesmo o fundamental serviço culinário. A invasão de vendedores ambulantes, vindos de outras cidades, é exploratória. Comportamentos abusivos, obscenos afastam famílias que temem frequentá-lo. E, à noite, o vazio causado pelo medo.
Dói-me o coração de piracicabano também enamorado daquela imitação de um paraíso caipira. Ou a Prefeitura age, criando um estatuto sério e especial para a região, ou a Rua do Porto e região morrerão melancolicamente. A joia da coroa pisoteada.
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