Adorável “viado” da aldeia

Piracicaba, ontem e atualmente, conviveu com homossexuais, agora denominados “gays”. Uma quase sempre atribulada convivência, que se tornou pacífica nas últimas décadas. Mas, em vez de “gays”, eles eram chamados de “viados”, como em quase todo o Brasil. E tal palavra – como as de lazarento, morfético, leproso – sempre teve, além do significado pejorativo, uma conotação amistosa.

Exemplificando: um amigo, incomodado pelo outro, dizia-lhe: “Pare de bancá o viado, rapai!” E outro ria, sem se ofender. Não havia, porém, grande número de “viados”. Pois eles, como se diz desde alguns anos, não saíam do armário. E quando saíam, faziam-no divertida e alegremente. Foi o caso de “Zinho Muié” e de “Jane”.

“Jane”, mais discreto, era alfaiate respeitado, fazedor de vestimentas especiais, como batinas para padres e hábitos para freiras. Mas não fazia ostentação. E nem se irritava quando provocado pelas crianças. “Zinho Muié”, era espalhafatoso, mostrando-se, às vezes, verdadeiro “clown” ao sair às ruas – e desfiles de Carnaval e bailes populares – “vestido de mulher”. Foi um verdadeiro travesti, muito antes de existir essa palavra. Daí o seu apelido: “Zinho Mué”, ele de nome Alex.

“Zinho Muié” era recebido em qualquer residência, oferecendo e fazendo serviços domésticos irrepreensíveis. Lembro-me de, na infância e em nossa casa – antes de nossas tantas tragédias – a vê-lo como manicure e cabeleireiro de minha mãe e irmãs adolescentes. Era divertido, sem ser inconveniente. Impossível não se gostar dele, pois, sempre, mostrava-se alguém adorável.

Quando passava pelas ruas, nós, crianças, gritávamos: “Zinho Muié, Zinho Muié”. Mais do que zombaria, era para ouvir-lhe a resposta: “Zinho Muié, seu rabo que é”. Nas últimas décadas, tem sido o travesti conhecido como Madalena o mais querido pela população. Tão querido que foi eleito vereador à Câmara Municipal.

Leia mais em: “Preconceitos: a face triste“, do livro “Piracicaba, a doçura da terra”, de Cecílio Elias Netto.

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