A magia do belo

*Artigo e fotos/imagens  retirados do livro “: Piracicaba, a Florença Brasileira – Belas Artes Piracicabanas”, de Cecílio Elias Netto.

magia

RIO PIRACICABA – ANTÔNIO PACHECO FERRAZ

O humano é um ser nostálgico. Essa sua melancolia reflete o vazio existencial, a ausência de um lugar, de um espaço que lhe pertence e que perdeu, ou do qual está ausente. É o distanciamento de seu ninho original, onde estão pessoas queridas, a sua paisagem, o seu umbigo físico e espiritual. Longe dele, não há alegria completa. Mais do que tristeza, é nostalgia que o melancoliza.

O destino – ou vocação? – humano está na busca incessante de preencher esse vazio, de encontrar o que perdeu mesmo não sabendo o que seja. Seria a ausência do Éden, o Paraíso Perdido? Talvez o seja, e o autor deste livro acredita nisso. Se verdadeiramente o for, o indefinido vazio humano seria, então, a nostalgia do belo. Pois – como proclama a filosofia de Tomaz de Aquino – o belo está vinculado à unidade, ao verdadeiro, ao bom. (“Unum, verum, pulchrum, bonum”).

A beleza – pela mesma lição tomista – exige três elementos para aflorar: integridade, harmonia e radiância. Não há, porém, neste livro, qualquer pretensão de discussões acadêmicas ou simplesmente opinativas a respeito da Arte. O propósito está em desejar afirmá-la como necessidade vital do ser humano em sua nostálgica caminhada em busca da beleza. Assim, em nosso entender, a arte surge como resultado dessa nostalgia do belo que se acentua quando o olhar e os ouvidos captam os encantos da natureza. Não pode, pois, haver arte afastada da vida e da natureza. O artista é o seu criador. Ele dá forma ao que existe e, também, àquilo que idealiza. Desde o início dos tempos, quando fez, da pedra, o mural de seu assombro.

O assombro do belo e a feiura

Pois o belo assombra. Com maior ou menor intensidade, conforme pessoas e circunstâncias. E diferentemente entre culturas heterogêneas, como se observa, por exemplo, entre o belo que, encantando o Ocidente, pode ser desconsiderado no Oriente. Nas manifestações artísticas, é temerário fazer comparações, incluindo as que tentam estabelecer cânones para a beleza e a feiura. O David, de Michelangelo, é uma das obras primas da humanidade. No entanto, pode nada significar ao africano deslumbrado com a escultura de um dos seus deuses primitivos. E vice-versa.

A realidade, porém, é que o belo assombra. E, por tão intensamente tocar o coração humano, coloca-nos diante de mágicos e sacerdotes. Estes conseguem aproximar-se das fímbrias do divino. Místicos e artistas de tal forma mergulham no mundo do inexplicável que chegam, mesmo por alguns instantes, a conviver com o “mysterium tremendum e fascinans”, que deslumbra a ponto de levar ao enlouquecimento. O místico e o artista – já se observou – apenas diferem pelo fato de aquele “não ter um ofício”…

Infelizmente, o pragmatismo dos tempos tem provocado deformações angustiantes, como se a concepção e a percepção da Beleza pertencesse, apenas, a pessoas privilegiadas em cultura, em sensibilidade, em nível social. O belo está na alma humana e até a mais humilde das pessoas se comove ao enxergá-lo ou ouvi-lo. E, também, de acordo com suas condições, tentam reproduzir emoções, sentimentos, sensações. É o belo provocando o artista e o artesão que existem em cada um de nós. Ao adotar como epígrafe deste livro a frase do celebrado historiador Ernst Gombrich – “Aquilo a que chamamos Arte não existe. Existem apenas artistas”, in “A história da arte” – o autor deixou-se seduzir por tal sabedoria que desmistifica muitas convenções. Gombrich não aceita a Arte com A maiúsculo, nem admite a sua existência a não ser “como bicho-papão ou fetiche”. Para o historiador, “não há motivos errados para gostar de uma estátua ou um quadro”, pois há questões subjetivas em toda a avaliação. No entanto, para ele, “há, sim, motivos errados para não gostarmos de uma obra de arte”.

A magia do belo revela o que mais próximo do divino existe no ser humano. E – por paradoxal pareça – o que de mais humano temos no profundo de nós mesmos. Céus e infernos pessoais são apaixonadamente revelados. E ódios e amores. E desesperos e esperanças, paz e guerra. Para Nietzsche, “a arte vale mais do que a verdade”. E Freud, certamente estarrecido diante da magia dos mágicos artistas: “A natureza deu ao artista a capacidade de exprimir seus impulsos mais secretos, desconhecidos por ele próprio, por meio do trabalho que cria”.

O artista, enfim, assemelha-se a um neurótico, cujo mundo é diferenciado, cujo olhar alcança aquilo que ele próprio enxerga, cujo espírito vaga por caminhos insondáveis. Uma certa loucura, portanto. Como, então, fazer críticas ou racionalizar a respeito dessa santa loucura? Possível, seria, olhar como o artista olha, se este olha e enxerga, e o simples passante quase sempre olha sem enxergar?

Este livro ( Piracicaba, a Florença Brasileira – Belas Artes Piracicabanas) apenas pretende elencar a loucura dos artistas piracicabanos, os “florentinos caipiras” que viveram a santidade e a magia da arte diante das belezas de nossa terra. Sem qualificativos, sem análises, sem definições.

Apenas com o assombro, o espanto e o orgulho diante do belo que Piracicaba inspira aos que têm olhos de ver, ouvidos de ouvir. Não há como descrever ou qualificar a magia do belo. Basta – cremos nós – permitir seja, a beleza, nossa bem-aventurança. Ou concordarmos com Ramón Campoamor y Campoosorio: “A beleza está nos olhos de quem a vê”. Nós, simples observadores, terminamos por ficar eternamente gratos ao constatar que os artistas preservaram, em suas obras, a beleza da natureza. Mesmo não revelando preocupações quase sempre por timidez – pois o artista, em sua solidão, é um tímido – a paixão pelo Belo faz parte de sua vida. Ele é um construtor de mundos. Nós somos peregrinos à procura do Santo Graal nesses mundos encantados.

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