In Extremis (209) – Nostalgia machuca mais?

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(imagem: Victoria_Regen / Pixabay)

Talvez, algum dia, venhamos a entender, através das artes, um pouquinho da vida. A alma dos artistas consegue captar os escondidos do mundo com mais clareza do que a razão de cientistas. Estes descobrem, encontram. Artistas vivem mistérios sem precisar entendê-los. Sentem-nos na carne. A música é matemática. Logo, a matemática é poética. Acho.

Um dos clássicos do cancioneiro popular brasileiro é do notável e quase esquecido João de Barro. Numa canção, em poucos versos, ele disse tudo: “A saudade mata a gente”. É o lamento poético de um homem apaixonado que fez “um rancho à beira de um rio”. E seu “amor foi com ele morar…” Inebriaram-se de amor. Mas tolamente – como ocorre com quase todos os seres humanos – abandonou o seu tesouro. E sofreu: “A saudade mata a gente, morena; a saudade é dor pungente…”

Morre-se, sim, de saudade. Vimos, meus irmãos e este tolo escrevinhador, acontecer com nosso pai. Simplesmente, não mais quis viver. Morreu de saudade, morreu de amor. Quantos não expiraram, não morrem de ausências, de perdas? Quem não sente saudade? E, sentindo-a, não é um pouco de nós mesmos que perdemos?

Confesso, porém, uma dúvida que me acompanha posso afirmar que dolorosamente: e a nostalgia, não seria ainda mais agônica do que a saudade? Pois nostalgia parece envolver tudo: saudade de coisas, de lugares, de pessoas, de uma época, de maneira de viver. Nostalgia é veneno lento que, infiltrando-se, machuca devagarinho. Nasce das mil perdas, das mil ausências, das mil tolices cometidas. Cadê, por que acabou? Que idiota fui eu que não vivi cada um daqueles dias com ainda mais intensidade? Por que não entendi ou não quis entender aquela sabedoria milenar, “nada há de novo sob o Sol?”

É óbvio estar, o tolo escrevinhador, “chorando sobre o leite derramado”. Ocorre, porém, já se anunciar o “eterno retorno”. E esse reavivamento desperta lembranças que machucam, tantas as belezas desperdiçadas. Não, não se trata de querer aquilo de volta, nem de retornar. Trata-se da simples e mera constatação da estupidez em não aprender que nascer, vir e estar no mundo é privilégio inigualável. Que loucura é essa, a de esperar por outra oportunidade, por outra vida, num outro lugar desconhecido tenha lá nome de paraíso ou de inferno?

Há alguns anos, pensei o escritor Giuseppe Lampeduza estivesse correto ao afirmar – em sua obra “Il gattopardo” (O Leopardo) – ser preciso tudo mudar para continuar tudo igual. Passei a ter, cá comigo, outras dúvidas, além das tantas que já tenho. Ora, em muitas mudanças, nem tudo fica igual. Há transformações. Constantes e, em nossa época, cada vez mais aceleradas. E estas nem sempre ocorreram ou têm ocorrido para melhorar a humanidade. O ser humano é capaz de destruir a própria fonte da água que o abastece.

Não consigo mais perambular por esta Piracicaba que alguns tolos insistem em chamar de capital de uma interesseira RPM. Querem matar a “Noiva”? Cadê as flores, cadê o encanto de uma cidade cheia delas e encantadora por si mesma? Que idiotia coletiva levou nossa gente a escolher pessoas despreparadas e algumas delas mal intencionadas para governar um tesouro? Cadê as lideranças empresariais e populares que, em épocas de crise, convocaram um Luciano Guidotti, um Salgot Castillon, um Cássio Padovani para cuidar de uma herança singular como é Piracicaba? Cadê?

Que, pelo menos, a nostalgia me inspire e me dê forças para – nestes meus últimos tempos – prosseguir na missão jornalística de ladrar como cão de guarda desta cidade tão amada. E outros cães, por que não ladram?

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