Delícias do diferenciado “falar caipira”
Não existe mais o caipira verdadeiro, tal qual o “Jeca Tatu”, descrito por Monteiro Lobato, ou mesmo o “Joaquim Bentinho”, de Cornélio Pires. No entanto, os paulistas insistimos em afirmar haver, no interior de São Paulo, uma cultura caipira que se traduz por algumas características, entre as quais a maneira de falar, a viola e alguns aspectos da culinária.
O jeito de falar caipira foi de tal forma marcante na história paulista que, quando no século XVIII, discutiu-se a instalação dos cursos jurídicos no Brasil, houve reações contrárias a São Paulo ter uma das faculdades. E a objeção se fazia por causa do sotaque, do dialeto caipira dos paulistas, tidos como “linguajar inconveniente” que contaminaria os futuros bacharéis, oriundos de outras partes do país. Na realidade, dizia-se que os paulistas “corrompiam o vernáculo”.
Mudanças
A influência dos negros e dos índios na linguagem caipira foi marcante. Essa mudança começou a ocorrer quando se substituiu o braço escravo pelo imigrando, afastando, aos poucos, a convivência dos brancos com os negros. Os caipiras genuínos, geralmente sem educação formal, ficaram na zona rural ou na periferia das cidades, mesclando-se a outros elementos, incluindo o imigrante. Mas muito dessa linguagem ainda permaneceu, especialmente em algumas áreas do interior de São Paulo, às margens dos rios Paraíba, Tietê e Piracicaba, entre outros.
As migrações de italianos, árabes, alemães, japoneses e outros contribuíram para muitas dessas mudanças. Mas parte desse sotaque ficou. E o escritor Amadeu Amaral, um caipira de Capivari, ainda na década de 1920, fez um estudo sobre o sotaque e o dialeto caipira, colhendo dados que permanecem atuais.
Muitas cidades, mas a região de Piracicaba em especial, mantêm resquícios dessa “cultura caipira” que é muito forte, do “português” arcaico. A própria palavra caipira significa essa “cultura antiga” que ficou à margem dos rios percorridos pelo colonizador e onde se alojava a nação tupi-guarani e os payaguás. “Cá i pira”, em tupi, tem esse significado: “a mata que acompanha o rio” e para os payaguás, designa que o rio segue a vegetação.
É a linguagem com que os indígenas corromperam o “português arcaico”. .
Em estudo apresentado à USP, a professora Ada Natal Rodrigues concluiu que houve o encontro de duas etnias – o português arcaico e o silvícula (tupi-guarani e payaguá) – formando essa linguagem e essa cultura caipiras, o “falar feio e bonito”. Quando o sertanista se tornou sedentário e os filhos passaram a freqüentar colégios, o “falar” passou a ser chique, mas o “sotaque” piracicabano, que Piracicaba assumiu como “caipiracicabano” permaneceu.
Onde os sertanistas chegaram, o dialeto ficou: o abrandamento dos “erres” e o arredondamento dos “eles”, o chamado “erre retroflexo” que é pronunciado com a língua retraída para o fundo. O “perarta” no lugar de peralta, o “sarto” no lugar de salto são parte dessa linguagem. Na região de Piracicaba, ao contrário do que muitos julgam, foram os italianos que se influenciaram com a nossa maneira de falar e não o contrário. A noção de que “caipira é feio” vem do “Jeca Tatu” de Monteiro Lobato, muito diferentemente do personagem arguto e brilhante de Cornélio Pires, também caipira, o “Joaquim Bentinho”.
As vogais
Uma das principais características desse dialeto caipira está quando a vogal é seguida de S ou Z, portanto ciciante. Ex: rapaz, mês, nós. Quando ocorre, usa-se a vogal I, criando o ditongo AI. Diz-se, então: rapaiz, meis, nóis.
Por outro lado, a troca do E pelo I, ao final das palavras, como ocorreu em outras regiões do país, não ocorre. Ex: aquele, aquêli, este, êsti. O caipira acentua ainda mais: aquelê, estê. O mesmo ocorrendo em relação ao O e U. Ex: povo, povu; novo, novu, que o caipira enfatiza, povô, novô.
No entanto, a vogal O, usada entre as palavras, é substituída pelo U. Ex: cozinha passa a ser cuzinha, de cozinha; taboleta torna-se tabuleta; tossir passa a ser tussir.
Nos grupos vocálicos – ai, ei, ou, oi – há diversas alterações na maneira de falar caipira. O grupo Ai pode ser reduzido, quando diante do X, como na palavra caixa, igual a caxa. Ou faixa, que se torna faxa. Paixão passa a ser paxão. Ou o Ai é transformado em Ei, como na palavra raiva, que passa a ser réiva.
O grupo ei reduz a Ê se for seguido de R, X ou J. Ex: isqueiro= isquêro; cheiro= chêro; peixe= pêxe; queijo= quêjo.
Nos vocábulos esdrúxulos – música, ridículo, cócega, por exemplo – o caipira sempre suprime a vogal da última sílaba. Dessa forma, música é pronunciada “musca” ou “musga”; cócega, pronuncia-se “cosca”; ridículo, “ridico”.
Eles e erres
Uma das tipicidades mais flagrantes dessa linguagem caipira está, no entanto, no uso dos ELES e ERRES.
O ELE, no final das sílabas e no meio das sílabas, quase sempre muda para R. Assim, papel passa a ser paper; mel é mér; alma é arma; Brasil é Brasir. Há casos em que um dos ELES permanece, como na expressão tal e qual, que é pronunciada “talequar” ou “talequá”. E, também, mal e mal, que, quase sempre, se diz “malemá”.
Há que se observar , no entanto, que, nas palavras terminadas em Al, EL, a consoante “L” pode desaparecer: jornal é jorná; papel é papé.
O R praticamente desaparece no final das palavras. Ex: andar, andá; mulher, muié; esquecer, esquecê; amor, amô.
Nomes indígenas
Grande número de palavras, comumente usadas pelo caipira, tem origem indígena, tanto que quase todos os topônimos são de origem tupi-guarani, Piracicaba incluindo. Basta observar nomes de distritos – como Tupi, Caiubi, Anhumas e outros – e de bairros (Jupiá, Bongue e outros), além de cidades próximas como Capivari, Mombuca, Tietê, Itu, para se atentar para a influência indígena.
Dos vegetáis, um sem número deles tem essa origem: abacate, abacaxi, cipó, jabuticaba, jacarandá, pitanga, samambaia, capim, pipoca, imbuia, mandioca.
Nomes de fenômenos e acidentes da natureza, doenças, etc., são também muitos: catapora, piracema, pororoca, catinga, cupim, bereba.
E de utensílios domésticos, aparelhos, objetos de uso, alimentos, costumes : arapuca, muqueca, pamonha, paçoca, patuá, peteca, sapicuá, jacá, cateretê, caruru, catira, saci, caiçara, caipira, caipora.
Quanto à influência dos vocábulos africanos na linguagem caipira, essa é praticamente a mesma que existe no Brasil inteiro, palavras como quilombo, samba, malungo, cachaça, mandinga, missanga, etc.
Trata-se, pois, de um especialíssimo jeito de falar que tem explicações na própria dinâmica da língua, na morfologia e, também, na história.
Mai mió di bão
como se fala MÃE no modo caipira???
“Mãe” em língua caipira é escrito da mesma forma como no português. Numa relação biológica, só sofre alteração os termos pai (pae), filho (fiio), irmã e irmão (ermã e ermão)
Vocês se esqueceram de môio, caôio, tapéra, zóio, azorêia, etc…
Gostaria de saber como escrever : Projeto Viva Melhor Idade no dialeto caipira???
“xé” expressão muito comum em Tatuí , que significa não acredito.
Do que que ade…que em Tatui fala assim.
Kkkk