Folclore em Piracicaba: Festa do Divino.

A mais remota é a Festa do Divino ou Folia do Divino ou Encontro das Bandeiras ou Império do Divino. Assim falam os seus militantes, sem qualquer distinção em sua estrutura, em sua organicidade. É a linguagem autêntica, pura e saborosa de seus militantes. É a fala caipiracicabana (o neologismo é nosso), ribeirinha, doce, mas nunca barranqueira.

A que se faz em Piracicaba data de 1826. Nasceu como cumprimento de promessa (ex-voto). Os ribeirinhos agrupavam- se na faixa esquerda do rio, na atual Avenida Beira Rio – Joaquim Miguel Dutra. Através de canoas desciam o rio abaixo, à procura de prendas em espécie, dinheiro da época, aves e animais. Levavam na descida e traziam, na subida, uma Folia. Constituída esta do bandeireiro, violeiro, caixista, adufeiro e triangulista. Junto a isso, o esmoler ou tirador de esmolas. Saíam no mês de maio e regressavam em maio do ano seguinte. Isto porque, sendo a Festa do Divino incorporada ao mundo católico, evidentemente deve ser efetuada na quinquagésima da Pentecostes, ou certamente no 7.° domingo após a Pascoela. Anunciavam a subida (rio acima) através de ronqueiras, trabucos e mais posteriormente rojões. Aqui, a presença do folclore cósmico.

Numa das canoas, vinha a Folia do Divino. Bandeira à frente, tendo, no seu panejamento violácio, a pomba branca com vidrilhos dourados e centenas de ex-votos. No tope, outra pomba. Nunca uma arara, um papagaio. A pomba não elimina o fel, pela ausência de glândulas supra-renais. As fitas das mais variegadas cores não representam cromática, porque a cor no folclore é ritual. Uma fita amarela traduz desespero, uma azul representa ternura, uma branca, paz etc.

O grupo que descia o rio chamava-se Irmãos do Pouso, Irmãos do rio abaixo. Solicitavam guarida através de música primitiva, mas hipnotizante e inédita nas paragens onde abordaram. O grupo criou afinações especiais na viola: rio abaixo e rio acima. Características daquela “festança”. Posteriormente, inclusas em vários folclores musicais.

A indumentária dele diferia do outro bando, sem precatória – o dos Irmãos do Divino. Descalços ambos os grupos, calças brancas, estreitas no cano, blusas brancas (as túnicas vieram depois). Cintão azul para os do Divino, vermelho para os de baixo. Na cabeça, o gôrro português,com ponta longa e ,caída, bolotas respectivamente azul e vermelha. O grupo de baixo levava trem de cozinha e utilizava-se das oferendas solicitadas no petitório. Na aguavia, servia-se de canoas (depois surgiram os botes, as barcas). Quando encontrava corredeiras, saltos e itaipavas, é que acostava e arrastava pelas margens peças enormes, cavadas a fogo.

No petitório, a folica tocava e dançava em roda geral, contra a marcha dos ponteiros do relógio, instintivamente pela posição do meridiano brasileiro. Os aglomerados ribeirinhos, ao longo dos cursos do Piracicaba e do médio Tietê, eram católicos por tradição. Então, não se conhece na história dos pousos qualquer negativa ao que se lhes solicitava.

De pouso em pouso, os irmãos de baixo cobriam quilômetros, levados pela ação dos varejões, peças coloridas de bambu, tendo pontão de ferro na extremidade mais grossa. Eram atirada, nágua pela proa, empunhando-os, corriam barco a d’entro até a ré. Os varejões alcançavam de 6 a 8 metros, muito polidos, cortidos à sombra, cortados na lua certa. Senão o caruncho acabava com eles. Peça anfíbia. Vivia nágua e na canoa. Jamais lenhava, isto é, abria, estourava.

Logo que era ouvido o espoucar dos trabucos, das ronqueiras, formava-se no rio acima o grupo dos Irmãos do Divino.

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