Piracicaba: um Rio de Assombrações (3)

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(ilustração: Matheus Hass)

Peço desculpas pela absoluta ignorância, mas fui descobrir que o apelido de Piracicaba era Noiva da Colina, depois de escutar o triste relato daquela que é uma das protagonistas das histórias de sobrenaturais de Piracicaba. Foi de um jeito bastante inusitado que tomei conhecimento do apelido da Cidade.

Eu estava fazendo as pesquisas “in loco” para o episódio da Inhala Seca. A Inhala – que teve um artigo para chamar de seu – supostamente havia fugido do antigo cemitério que repousa sob a Escola Moraes Barros. E nas imediações da Escola, reparei um simpático bar na esquina da Rua 13 de Maio. O bar se chama “Noiva da Colina”.

Entrei entusiasmado com a possibilidade de o estabelecimento homenagear a personagem da história sobrenatural contata por pescadores piracicabanos, por anos. Mas fui surpreendido com a resposta do proprietário.

O gentil homem esclareceu que o nome do bar se referia à Cidade de Piracicaba, que possuía o apelido de Noiva da Colina. Pensei: a cidade tem o apelido de uma história de fantasma ou a história de fantasma leva o apelido da cidade?

Independente da conclusão, tudo torna ainda mais interessante o olhar que tive para esse conto, que possui algumas versões, mas que tem o mesmo resultado: uma mulher condenada à solidão, para todo o sempre, por perder seu noivo em uma tragédia.

O caso difere dos diagnósticos mais comuns para a concepção de histórias de noivas fantasmas, pois quem morre é o pretenso noivo. Normalmente as histórias de noivas fantasmas ocorrem por três motivos: morte acidental da noiva às vésperas do casamento; suicídio da noiva por não aceitar um casamento importo pela família e; suicídio da noiva pela humilhação decorrente do abandono do noivo, instantes antes do enlace nupcial.

O caso da Noiva da Colina ainda tem um agente externo interessante que é o Rio. A narrativa se conecta aos implacáveis “comportamentos” do famoso curso d´água, que protagoniza outras histórias sobrenaturais de amores e tragédias.

A história da Noiva da Colina

Bom, antes de continuarmos é importante descrevermos um pouco a história/tema deste papo.

Iraci e Ari formavam um apaixonado casal de noivos e se encontravam todas as tardes em uma colina às margens do Rio Piracicaba. Na véspera de suas núpcias, o casal repetia o encontro, no lugar de sempre.

Irani, apaixonada por flores, é atraída por uma bela espécime que se exibia por entre as pedras das corredeiras do Rio. Ari, percebendo o interesse de sua amada noiva, decide coletar a flor para presenteá-la. Ele inicia a escalada das pedras com cuidado, mas ao se aproximar do objeto de desejo de sua amada, se desconcentra, escorrega e cai nas águas caudalosas do Rio Piracicaba. Diante da volúpia da correnteza, nada pode fazer o homem, se não debater-se.

Irani, corre até onde consegue acompanhar o fluxo das águas que leva seu amado. Ao perceber que a correnteza não devolveria seu grande amor, manda um beijo para Ari e pede que Deus o receba.

Irani nunca se recuperou e voltava, todos os dias, para o local da trágica despedida. Sua existência terrena se encerrou, mas, segundo pescadores, em noites luminosas, é possível identificar a silhueta de seu espírito e ouvir seu choro, que ecoa pelas margens do Rio.

Um tema em extinção?

Como já dito, casos de noivas de outro mundo não são exatamente uma raridade no Brasil, mesmo tendo diferentes cenários e circunstâncias.

É bem verdade que essas histórias foram concebidas em tempos mais remotos, especialmente aqueles em que o senso comum cultuava a ideia de que o propósito da vida de uma mulher era a de se casar com um homem. Não tenho dúvidas de que essa retrógrada ideia é a grande causadora da enorme incidência de histórias de noivas fantasmas. Afinal, até pouco tempo atrás, o senso comum determinava que uma mulher era nada sem um homem.

E é daqui que parto para defender a tese de que: as histórias de noivas fantasmas estão em extinção.

Quem não se interessa por histórias de fantasmas, pode encontrar explicações para tais fenômenos no imaginário popular, que subjuga, tanto as mulheres independentes que possuem conhecimentos de vanguarda e que cultuam a liberdade, como aquelas que frustraram o único propósito de sua miserável existência – portanto, se casarem.

Digo, sem reserva, que a construção de arquétipos amaldiçoados é muito influenciada pelo senso comum e por medos coletivos. E, vos digo, ainda: é muito fácil conhecer alguém pelos medos que cultiva.

Dizer isso é absolutamente necessário para explicar a existência de tantas histórias de noivas fantasmas, seja para quem acredita ou para quem não acredita em fantasmas.

As noivas fantasmas são consequência do medo que era vigente nas comunidades conservadoras de não conseguirem casar suas filhas.

Para quem é crente nas abordagens espirituais destes relatos, fica evidente que a noiva que perdeu a oportunidade de se casar pela morte do noivo – como na história da noiva da colina – ou morre na eminência de seu casamento, não consegue gozar de seu descanso eterno pelo apego à intangível possibilidade de cumprir sua sentença e/ou propósito de vida “até que a morte a separasse” do maridão.

E as vezes a relação com a mulher, ainda que não se resuma aos laços do noivado, também demonstra os sentimentos de posse do homem para com a mulher. Fica fácil ver isso em outro caso piracicabano que dá conta de que o Rio Piracicaba, por ciúme da bela morena para a qual entregou seu amor, matou o pretendente da moça e a aprisionou no salto de suas corredeiras.

Ainda que não se perceba e ainda que em uma dimensão imaginária, fica evidente que é bem aceito o fato de que o ‘possessivo’ rio fora o autor do homicídio de seu concorrente e sequestrador de sua amada – justificando, ainda, suas enchentes pela fúria do Rio/Homem traído.

Este já foi um comportamento compreendido e tolerado pela sociedade, por isso há uma natural aceitação da história.

Quem tiver curiosidade, aqui vai o episódio da história da Noiva da Colina, especialmente editado para o especial Cidades e Medos – Piracicaba: Um Rio de Assombrações.

https://www.youtube.com/watch?v=ghfikz5_duU&t=29s

(continua)

Thiago de Souza é advogado, compositor, roteirista e muito curioso. O projeto “O que te assombra?” está disponível nas redes sociais – YouTube, Instagram, Spotify e Facebook. Procure por: @oqueteassombra ; e encontre: Piracicaba – Um Rio de Assombrações.

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