Rua do Porto: o carisma continua vivo. E bonito.

O texto abaixo foi publicado em outubro de 1987 no semanário impresso A Província. Recuperamos para lembrar os 30 anos de atuação em Piracicaba. A reportagem mostrava um pouco do significado da Rua do Porto para a população naquele tempo.

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De 1983 para cá, aumentou a quantidade de bares na Rua do Porto e, consequentemente, o movimento neste local — principalmente de jovens. Sem a pretensão de buscar respostas prontas, A PROVÍNCIA ouviu algumas pessoas que fazem o dia-a-dia do local, e a paixão pelo lugar parece estar presente em cada uma delas.

“Seu Sinésio Cursio, 50 anos, disse que quem vai à Rua do Porto é para encontrar os amigos, paquerar, “agitar” enfim. Explicou que a freqüência no local é boa, mas chega a atrapalhar os que lá habitam, pois “vivem estacionando os carros em frente à minha garagem, e às vezes há muita bagunça à noite”. Acha que facilitaria o trânsito se a via tivesse duas mãos.

Vivendo na Rua do Porto há cerca de quarenta anos, explicou o motivo: gosta de estar perto da natureza.  Quanto à poluição do “Piracicaba”, disse que o rio está condenado, independentemente de campanhas ou movimentos. Para ele, com as barreiras não há passagem de peixes, ao mesmo tempo em que a Ripasa e Fibra – empresas de Americana — ajudam a poluir o rio.

“Seo Chico”

Em contrapartida, Francisco Soares, 70 anos, o “seo Chico” acha que existe pouca poluição nas águas do Piracicaba. “Com tudo que aconteceu, hoje ainda tem peixe como piaba e mandi”, explicou. Pescador aposentado e morando na Rua do Porto há 30 anos, disse que o local tem bons elementos: “a bagunça fica por conta do pessoal que não é morador”, mas seu Chico não acha que o movimento em geral o atrapalhe.

Contou que há uns 23 anos, os peixes do tipo corumbatá, jaú, pintado, dourado, mandiúba, pacu e piracanjuba saíam fora d’água. Em 1955, pescou um jaú de 63 quilos. Apaixonado pelo local, nem as enchentes (1942, 60, 70 e 83 — a pior) fizeram com que se mudasse para sua outra casa no bairro Jupiá.

Já a freqüentadora Eli Henriqueta de Jorge, nascida aqui e morando em São PauIo, disse que vai à Rua do Porto há cerca de oito anos. Tendo 29, contou que no começo só existia o bar “Paineiras”, que depois ficou conhecido como “bar do Mi” e hoje é “do Chico”. “Eu curtia ver o pôr da lua, hoje a Rua do Porto perdeu a autenticidade, significa badalação”, explicou. “Eu venho para ficar perto do rio e tomar cerveja”. Disse ainda que as pessoas que são maiores freqüentadoras vão nos horários menos movimentados.

 O comércio tradicional 

O que pensam os que trabalham na Rua do Porto? O artista plástico Araken Martins, 37 anos, dono do bar que leva seu nome, inaugurou-o em outubro de 86. Para ele, a rua é procurada mais pela paquera, além de ser um pedaço de natureza dentro da cidade. Araken disse que o barzinho é freqüentado principalmente no verão, em horários variados. Contendo algumas de suas obras, o local costuma fechar aos domingos, pois seu proprietário não gosta do movimento nesses dias específicos –  “há muito agito”. Prefere os dias de semana.

Araken disse que continua produzindo como artista plástico, apenas curte a Rua do Porto de uma maneira especial. Desde a infância, sempre viveu próximo a ela: estudou numa escola onde hoje é a Megatec e conviveu com pessoas da rua do Porto que tinham a sua faixa etária. Afirmou ainda que, depois de abrir o bar, seu círculo de amizades aumentou em quantidade e qualidade.

Paralelo à Rua do Porto, está o Restaurante Arapuca, propriedade dos srs. Hélio e Paulo Pecorari. Seu Hélio tem 59 anos e nasceu lá, onde mora desde então. “Fanático pelo rio Piracicaba”, disse, tem saudades do seu tempo de jovem, quando a água era tão limpa que se podia beber. “Víamos os cascudos no fundo; hoje o rio é poluído, sem dono”.

Segundo ele, a Rua do Porto tem tudo para ser bonita: a natureza — o capim que nasce na beira do rio, as árvores; a onda que a pedra faz na água, o bem-te-vi e a garça. Acha que a juventude está descobrindo a RP, pois trata-se de um lugar bonito, que atrai. “Isso é bom, mas os jovens deveriam ajudar a combater a poluição do rio”, completa.

Outra pessoa que gosta da Rua do Porto é o engenheiro civil Álvaro França, carioca de 33 anos. Afinal, ele deixou o Rio de Janeiro e a Informática do Banco Bamerindus para se dedicar, juntamente com o sócio Mané (Antonio Lázaro do Nascimento), da mesma idade, à lanchonete Casa Velha.

A primeira vez que Álvaro veio a Piracicaba foi no carnaval de 1970. Tendo conhecido Mané numa festa, passaram a frequentar o “bar do João” diariamente. Surgiu então a idéia de montarem seu próprio negócio, o bar Barranco, criado em 83. Devido ao sucesso deste, segundo ele, passaram o ponto ao seu Eraldo dos Santos Amaral — morador da Rua Porto há 20 anos — e construíram o Casa Velha, há cerca de cem dias. O Barranco agora se chama Paraíso.

Quem a frequenta? 

Sobre a frequência à Rua do Porto, Álvaro disse que, durante a semana, pessoas de diferentes idades vão para lá após o término do trabalho e ficam até por volta das 19 horas. Daí o local se esvazia e mais tarde começa a ser novamente procurado. Nos fins-de-semana, a Rua do Porto recebe jovens na maioria das vezes, sendo que as famílias costumam ir passear na parte da manhã.

Por sua vez, Mané acha que as pessoas procuram a Rua do Porto para ficarem perto do rio, pois, segundo ele, os bares da Avenida não possibilitam esse contato: “Foi na Avenida Beira-Rio que começou o agito, a paquera, o que acabou virando moda. Já o pessoal mais calmo, que gostava de sossego, começou a vir para a parte baixa. O movimento aumentou mais ainda quando a Globo fez aquela reportagem sobre drogas envolvendo o bar Petiscão, que passou a ser menos procurado.”

Mané disse que atualmente a Rua do Porto não deve ser considerada como moda na cidade, porque nos dias de semana o movimento é menor que aos sábados e domingos mas constante. Para ele, a procura nos finais de semana é tanta que o trânsito chega a perturbar.

Histórias de pescadores

Seu Chico: “Em 83, pegaram um pintado de 23 quilos. Ele veio com a enchente, e ficou numa poça d’água quando o rio baixou. Eu mesmo peguei um corimbatá de 1 quilo e meio no quintal de casa.”

Afirmou seu Sinésio que o irmão dele, há doze anos, pegou dois mandis com um só anzol — “o primeiro engoliu a isca e o anzol saiu pela guelra, então o segundo fisgou ela”. Ele disse que na época isso acontecia com frequência, e que na falta de anzol os pescadores amarravam vários pedaços de minhoca numa linha de carretel. Resultado: as piquiras (peixes pequenos) saíam de 4 ou 5.

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