XV de Piracicaba: 40 anos do Torneio de Acesso (1967)

Revivendo os 40 anos do Torneio de Acesso (1967), com texto de Edson Rontani Junior. Publicação original feita em 2007 n’A Província:

Há 40 anos, o E. C. XV de Piracicaba e os seus torcedores viveram a euforia da conquista do Torneio do Acesso à série principal do futebol paulista, em jogo realizado no Pacaembu contra o Bragantino.

1967 também foi um ano importante para a economia da cidade. Na administração de Luciano Guidotti, torcedor fanático do XV, Piracicaba foi considerada como uma das cidades com melhor desenvolvimento no país.

Ao mesmo tempo, o futebol piracicabano não tinha experimentado o sabor de grandes conquistas. De acordo com Rubens Braga, 78, ex-dirigente do basquete e do futebol do XV, “a conquista de 1967 serviu para ratificar o esporte como profissão na cidade”.

Confira a matéria de caráter memorialista do jornalista Edson Rontani Junior, que resgata em seu texto o período histórico e os sentimentos daquela geração. Segundo Rontani, desde o dia 11 de janeiro de 1967, relembrando o jogo da final no dia 17 e a chegada da equipe no dia 19 do mesmo mês, trata-se de um marco do esporte piracicabano que durou até o fim daquele ano.

O dia em que a terra parou
Por Edson Rontani Junior

Existe uma história, a qual não é desmentida por ninguém, de que a nossa “terrinha” parou por um dia. Outros dizem que isso é mentira. Pois era parou por vários dias … Este fato completa na próxima semana seus 40 anos. Foi quando os piracicabanos aguardavam a decisão do Torneio do Acesso ao Futebol Profissional de 1967. A cidade acompanhou na expectativa as três partidas do triangular decisório. Parou também para comemorar a vitória do E. C. XV de Novembro e para receber como heróis os jogadores do alvinegro local. Toda essa festividade ocorreu em janeiro, encerrando assim as comemorações do bicentenário de fundação do município.

Foi exatamente na noite de 17 de janeiro de 1968 que o XV venceu o Bragantino, em pleno Pacaembu, na capital paulista, sagrando-se Campeão do Acesso (atual Série A-2), retornando, assim, à elite do futebol paulista onde ficou de 1948 a 1965.

Testemunhos da época relatam que, no início de 1968, a cidade torceu para o alvinegro como se fosse a Seleção Brasileira de Futebol disputando uma final do mundial. Até o carnaval, que ocorreria duas semanas depois, começou cedo. As festividades prosseguiram por semanas pois foi um orgulho o retorno do time às partidas junto aos grandes, como São Paulo, Palmeiras, Santos, Corinthians e outros, sem levar em conta a projeção que a cidade conseguiu em todo o país. A cidade estava em efusão constante devido à ousadia do prefeito Luciano Guidotti que instalava obras grandiosas para tudo que era canto. Foi o ano de crescimento da cidade, condecorada como a cidade de maior desenvolvimento do país.

Especialistas acreditam que a euforia de janeiro de 1968 só foi sentida em 1947 quando o time subiu para a divisão principal decretando ser equipe profissional, e, em 1976, quando foi o segundo colocado no Campeonato Paulista.

Segundo Rubens Braga, 78, ex-dirigente do basquete e do futebol do XV, a conquista de 1967 serviu para ratificar o esporte como profissão na cidade. “Os anos 60 serviram para as grandes contratações do alvinegro e, com este retorno à Divisão Especial, houve a necessidade de contratar jogadores de grandes times”, diz. A equipe contratada pelo presidente Humberto D’Abronzo, industrial proprietário da Caninha Tatuzinho, é considerada como uma das melhores em toda sua história. Braga é mais enfático e diz que as comemorações pelo título não duraram apenas algumas semanas. “A comemoração foi o ano todo, pois até dezembro, quando se decidiria o próximo campeão, o título era de Piracicaba”.

Era uma época diferente, período em que o futebol era transmitido apenas pelas emissoras de rádio, gerava rodinhas nos bares, era motivo de festa até para a alta sociedade e celebrado até por aqueles que não possuíam qualquer simpatia pela bola.

Comércio, indústria, escolas … Tudo parou nos dias 11 e 17 de janeiro, quando o alvinegro foi a São Paulo jogar, respectivamente contra o Paulista F.C., de Jundiaí, e o C. A. Bragantino, de Bragança Paulista. A cidade acompanhava as partidas pelas emissoras de rádio, sendo que três delas transmitiam pela freqüência A.M.

Nestas duas disputas, os jogadores viajaram em ônibus da Prefeitura Municipal cedido pelo prefeito Luciano Guidotti (que faleceria no dia 7 de julho do mesmo ano), um amante do esporte e assíduo incentivador do time. Guidotti tinha paixão imensurável pelo time, utilizando seus jogadores como garotos-propaganda para propagar a imagem da cidade. Ele chegou a presidir o XV por vários anos.

Em ambas as partidas, o Executivo Municipal pediu atenção especial à segurança no Estádio Municipal Paulo Machado de Carvalho (o Pacaembu), sendo que foram disponibilizados cerca de 200 soldados da Força Pública e Guardas Rodoviários.

No dia 11 de janeiro de 1967, o alvinegro partiu a tarde para São Paulo. Venceu o Paulista por 2 a 0 (Piau aos 19’ do primeiro tempo e Amauri aos 45’ do segundo), garantindo vaga para a final que ocorreria seis dias depois. No dia 14, o Bragantino vence o Paulista por 1 a 0 definindo sua vaga na final diante do XV.

A partir de então, a euforia tomou conta de Piracicaba. A vitória era previamente comemorada pois o time havia feito uma excelente campanha no Paulista de 1967. Para chegar à fase decisiva, o alvinegro esteve junto a outros 29 times divididos em duas séries. Na primeira fase foi campeão do grupo B, tendo como vice o Paulista. A campanha foi positiva pois foram 30 jogos, sendo 22 vitórias, seis empates e duas derrotas. Foram feitos 68 gols e a defesa deixou passar 15 gols dos adversários.

Contavam-se os minutos para a disputa final. Os comandados do técnico Renganeschi eram a esperança da terra. Motivaram, inclusive, os vereadores a realizar uma sessão extraordinária, no dia 12, para votar a cessão de NCR$ 150 mil ao E.C. XV de Novembro, valor que seria utilizado para premiar os jogadores caso ocorresse a vitória. Foi aprovado por unanimidade pelos 15 presentes do legislativo municipal que participaram da sessão. Um dia antes, o time participa de uma missa de ação de graças celebrada pelo então padre Jorge Simão Miguel na Matriz Imaculada Conceição.

Às 15 horas de 17 de janeiro, data da partida decisiva, o alvinegro ruma ao Pacaembu novamente em ônibus cedido pela prefeitura. A partida ocorreu à noite permeada por pancadas de chuva que castigaram a torcida.

Em sua edição desta data, um jornal da cidade relata que uma “caravana monstro” foi organizada para levar a torcida alvinegra para São Paulo. Desde o dia anterior já não era possível encontrar um ônibus disponível para ser fretado. Muitos foram de carro, trem ou táxi. Segundo Waldemar Romano, cirurgião-dentista e vereador na época, a Câmara Municipal fretou três carros para levar vereadores na disputa. “O Legislativo se via na obrigação de acompanhar os passos do time, e como não tinha veículos, contratou-se motoristas para levar alguns vereadores”, diz. Ele comenta que isso não pode ser considerado regalia, pois na época a função de vereador nem era remunerada.

Há notícias de que torcidas de cidades vizinhas também incentivaram o time piracicabano, destacando-se as cidades de Santa Bárbara D’Oeste, Americana, Rio Claro, Limeira e Rio das Pedras. O fato congestionou ruas e avenidas da capital, provocando a falta de vagas no estacionamento para os ônibus nas proximidades do estádio. Interessante é que muitos dos ônibus chegaram ao mesmo tempo, como que por acaso. A bola começou a rolar em campo, e a torcida ainda estava na fila no portão do Pacaembu. Alguns sequer viram o primeiro gol alvinegro marcado aos dois minutos iniciais. Foi motivo para que, os que estavam fora, iniciassem uma correria para o interior do estádio, pulando catracas a fim de não perder nenhum minuto da disputa. O fato não atrapalhou o juiz Armando Marques e seus assistentes Wilson Medeiros e Eraldo Gongora.

A partida foi acirrada definindo-se no primeiro tempo quando o alvinegro marcou os seus quatro gols feitos por Amauri (aos 2’), Joaquinzinho (13’), Piau (25’) e Amauri (38’). Luizão fez o primeiro para o adversário ainda no primeiro tempo. O Bragantino marcou mais dois no segundo tempo, provocando pavor na torcida. Resultado : XV de Piracicaba 4 Bragantino 3. Piracicaba desabou de alegria. Foi a glória para o município. Praticamente ninguém dormiu naquela noite. Muito menos na noite seguinte, quando a equipe retornaria a cidade.

Após a partida, mesmo molhada, a torcida caiu na folia em pleno Pacaembu, com música a noite toda. Nos vestiários, jogadores tomavam banho com champanhe. Piracicaba era uma alegria só. As manifestações se concentraram na Praça José Bonifácio que era toda aberta, com travessias por todas as suas laterais.

Autoridades estudavam a recepção dos atletas-heróis para o dia 19 no período noturno. O trajeto da equipe, diretores e comissão técnica foi traçado. Todos circulariam em carro do Corpo de Bombeiros concentrando-se na avenida Independência próximo à atual sede do DER, percorrendo a avenida Armando de Salles Oliveira, a avenida Rui Barbosa, avenida Barão de Serra Negra, rua do Rosário, avenida Doutor Paulo de Moraes, rua Governador Pedro de Toledo, rua São José, finalizando em frente à catedral de Santo Antônio. No local foi montado um palanque no qual o elenco quinzista seria recebido pelas autoridades.

A cidade não funcionou normalmente no dia 19 de janeiro. Por volta das 15 horas, a praça José Bonifácio começa a receber os torcedores. A cidade vivia um clima de feriado e carnaval nesta data. Consta que a TV Tupi acompanhou a viagem do alvinegro de São Paulo a Piracicaba filmando manifestações de cidades vizinhas que esperaram à beira das rodovias para acenar aos campeões. A própria emissora, mais a TV Bandeirantes, cobriram as festividades levando o nome do alvinegro para todo o país.

A população comemorava com flâmulas, faixas, serpentina, confete, rojões … Era o carnaval – que cairia naquele ano em 5 de fevereiro – sendo antecipado. A Banda União Operária abriu as festividades tocando no palanque pontualmente às 18 horas. A comitiva chega por volta das 21 horas e inicia o trajeto programado. Às 22h10m começa chover motivando encurtar o percurso. Decide-se que a equipe não daria a volta por toda a Praça José Bonifácio entre a população.

Todos os campeões saem do ônibus e sobem o palanque. Gritaria incontrolável. Rojões. Dos prédios vizinhos, moradores soltam água através de bisnagas e com serpentinas criam um clima festivo. O chafariz da praça é invadido por pessoas que festejam de forma saudável, não chegando a ser reprimida pela força policial. É estendida nela uma faixa com mais de 24 metros quadrados com a inscrição “XV”. No palanque, prefeito Luciano Guidotti saúda os jogadores alvinegros, seguido pelo presidente do time comendador Humberto D’Abronzo, Lodovico Trevizan (Corregedoria) e Francisco Antonio Coelho (Presidente da Câmara Municipal). Outros pronunciaram-se até que os populares decidem subir no palanque criando um clima desconcertante para a equipe que é agarrada pelos mais afoitos, deixando alguns jogadores apenas de calça, levando suas camisetas, meias e calçados como souvenirs. Relatos da época dizem que cerca de mil pessoas sobem desordenadamente ao palanque, ocasionando sua queda e fazendo vários feridos. Como a aglomeração era intensa, a força policial encontrou resistência para prestar auxílio aos machucados. Mas, imperou o bom-senso e as festividades seguiram por toda a madrugada sem qualquer outra ocorrência. O incidente adiou a entrega de medalhas, desenhadas por Archimedes Dutra, que seria feita pelo prefeito Luciano Guidotti.

Outras manifestações foram realizadas nas semanas seguintes. Foram feitas homenagens nos clubes recreativos locais com membros da diretoria e jogadores recepcionados junto ao Rei Momo oficial vivido pelo radialista Antonio José. Santa Bárbara D’Oeste, Saltinho e o Rotary Club, dentre outros municípios e entidades, realizaram sessões para recepcionar o time.

O XV realizou um amistoso comemorativo à vitória no Torneio do Acesso contra a Seleção da Romênia em pleno Estádio Barão da Serra Negra (inaugurado dois anos antes), no dia 23 de janeiro. A comemoração era tão importante que o governador do estado, Abreu Sodré, marcou presença na partida fazendo questão de participar da solenidade. Por ironia, levou uma goleada : 6 a 2. Na ocasião seriam entregues as faixas aos campões do acesso. Aos 25 minutos, o juiz paralisou a partida. Um pára-quedista de Rio Claro saltou no meio do Barão trazendo uma bandeira do XV. O estádio ovacionou a iniciativa.

Na primeira partida de seu retorno à Divisão Especial, o XV empatou com o Comercial em 2 a 2, no dia 28 de janeiro de 1968.

Adilson Benedito Maluf, atual presidente do E. C. XV de Novembro de Piracicaba, lembra com orgulho desta temporada. Recorda-se que em 1967 era estudante de engenharia civil na Unitau de Taubaté. Em todas as partidas viajava, para onde quer que o XV fosse, na finalidade de acompanhar o time de sua terra Natal. “Na partida decisiva de 17 de janeiro de 1967, estava em férias em Santos e fui ao Pacaembu, assim como milhares de outros piracicabanos acompanhar com fervor a partida”, diz. Os tempos são outros ? Maluf acredita que Piracicaba, na época, por ser uma cidade menor, tinha mais torcedores nascidos aqui, que “vestiam” a camisa do alvinegro. “Hoje, Piracicaba cresceu e tem muitos habitantes que vieram de outras cidades, trazendo em seu coração o time de sua cidade natal”. Mas, de uma coisa, diz Maluf, Piracicaba pode ter certeza : o tempo de ver o XV campeão voltará este ano pois sua diretoria tem feito de tudo para que ele suba para a A-2 e ano que vem retorne à A-1, disse enfaticamente. “Há uma luz no fim do túnel, e esse túnel é extenso, mas com a boa administração que temos, tudo fluirá de forma natural”, arremata.

No livro “A História Ilustrada do Futebol Brasileiro” (Edobrás, 1968), escrito por Roberto Porto e João Máximo, diz que os pequenos times escrevem sua história com espírito de sacrifício que o futebol exige de quem o pratica. Isso faz com que muitos times pequenos desapareçam e os times grandes, com bases sólidas e constantes investimentos acabem se perpetuando. “Na comemoração de uma vitória, na alegria do povo nas ruas, no carnaval improvisado pela conquista de um ansiado título, no cerco ao juiz que se equivocou, na luta pela bola, está o esforço heróico, dramático e até trágico dos pequenos clubes”, fala um trecho. Outro diz que “partidas ou títulos conquistados no interior paulista, onde o campeonato de acesso – esperança de equipes modestas no sentido de subirem à divisão principal – mobiliza uma população inteira”. Foi o que ocorreu em Piracicaba.

 

3 comentários

  1. José Nelson Ferreira em 19/02/2014 às 17:24

    Eu estive lá, quando entrei no Pacaembú, já estava 2 a 0.

    • Guilherme Oliveira Santos Ferraz de Arruda em 22/06/2020 às 23:27

      Caro José, eu era pequeno mas fui com meu pai no Pacaembu. Noite de chuva, todos de capa e guarda chuva (em 68 podia levar o guarda chuva…hehehehe…). Muita alegria naquele 4×3 contra o Bragantino.

  2. Valdir J. A. Raimundo em 20/02/2014 às 08:58

    # A minha preocupação é esta: Como fazer que essas pessoas que chegam de outros estados, gostarem do nosso Alvinegro?!

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