A HISTÓRIA QUE EU SEI (LIX)

O Comendador D’ Abronzo
Desde meados dos anos 50, o industrial Humberto D’Abronzo – poderoso proprietário da Caninha Tatuzinho, da qual era sócio majoritário – vinha ganhando destaque e popularidade em Piracicaba. Fora vice-prefeito no governo Alberto Coury e o fato o projetara no mundo político. Comendador diversas vezes, era requisitado pela imprensa paulistana, por radialistas e, em sua chácara, realizavam-se churrascos e almoços com a presença habitual de personalidades do mundo político, esportivo, jornalístico. Com o fracasso dos Guidotti na administração do E.C XV de Novembro sob a presidência de José Luiz Guidotti o clube caiu para a 2ª Divisão de Profissionais.

Humberto D’ Abronzo foi conduzido à Presidência do “Nhô Quim” com a missão de reconduzi-lo à Divisão Principal. Sua popularidade se tomou extraordinária, aumentada pela figura simpática que ele criara com o uso de um enorme chapéu que lhe dava, ainda mais, características caipiras. Humberto D’Abronzo, através de sua irmã Ana – que se tomara figura exponencial na ascensão do basquetebol masculino e feminino na cidade – tinha sido um dos principais mantenedores daquele esporte, cujo brilhantismo empolgava a cidade. Em 1966, Humberto D’Abronzo assumia o XV, com a responsabilidade de levá-lo, novamente, à Divisão Especial, um desafio para o qual o comendador não poupou dinheiro, esforços e prestígio. Neste ano de 1966, deveriam ser realizadas eleições municipais que, no entanto, foram adiadas, tendo sido prorrogados os mandatos de prefeitos e de vereadores. E Humberto D’Abronzo era o candidato desejado e escolhido por Luciano Guidotti para a sua própria sucessão. O E.C.XV de Novembro nada mais era, na verdade, do que o pretexto para popularizar D’Abronzo que, tendo êxito na empreitada, alcançaria uma popularidade ainda maior.

Tudo teria dado certo. Pois, na verdade, D’Abronzo investiu no clube com dinheiro do próprio bolso, adquirindo o passe de grandes craques, conseguindo, através de João Guidotti, que o São Paulo F.C. cedesse outros para o “Nhô Quim”. O nome D’Abronzo alcançava os grandes jornais de São Paulo, não havia como deixar de citá-lo também na imprensa local, tais as grandes transformações que ele imprimia ao clube. Havia um derrame de dinheiro e ninguém sequer podia supor que, um dia, Humberto D’Abronzo viesse a cobrar o que investira. Tratava-se, na mais cristalina realidade, de um investimento político. Mas ocorreu a alteração no calendário eleitoral, outros fatos políticos aconteceram, o E.C.XV de Novembro – depois de ter retomado à Divisão Especial, em 1967 – deixava de ser uma bandeira da população, tomando-se um time sem competitividade. Os desígnios dos militares começavam a conspirar contra os planos de Luciano Guidotti e de Humberto D’ Abronzo. E este – com as dívidas do “Nhô Quim” se acumulando e sem mais apetite para continuar investindo no clube começou a fraquejar em sua pretensão de candidato. Mesmo porque, ou especialmente, a ARENA decidia lançar, novamente, a candidatura de Salgot Castillon para a Prefeitura de Piracicaba.

O novo governador de São Paulo chamava-se Roberto de Abreu Sodré, amigo íntimo e pessoal de Francisco Salgot Castillon e, como este, um “udenista” histórico. O período provisório de Laudo Natel passara e, com isto, o dono das cartas do baralho político – com o poder de distribuí-las e de orientar o jogo – era Salgot Castillon. Tratava-se de um golpe duro para o “guidotismo”. Até que ponto, porém, o Governador Abreu Sodré haveria de bancar o jogo em Piracicaba?

Naquele ano de 1966, Salgot Castillon e Domingos José Aldrovandi reelegiam-se deputados estaduais, ambos pela ARENA. E Pacheco e Chaves sofria a sua grande derrota, debilitando mais o ainda frágil MDB de Piracicaba. Não havia discurso oposicionista que sensibilizasse a população nacional diante da seriedade com que Castello Branco administrava o país. Sabia-se, claramente, pelos atos institucionais de exceção, que se tratava de um governo sem qualquer compromisso com a ordem democrática anterior. Preparava-se, já, a Constituição de 1967. Castello Branco tinha o respeito da população e a sua figura discreta era marcada pela seriedade. A derrota de Pacheco e Chaves era a derrota do MDB, eleitoralmente esmagado pela ARENA. Para recuperar o fôlego e o espaço políticos, João Pacheco e Chaves ocupou o cargo de Secretário do Abastecimento do município de São Paulo, na exuberante administração do Prefeito Faria Lima.

Em 1967, os “hippies” – um fenômeno apenas local de São Francisco da Califórnia – seriam apresentados ao mundo. Era o movimento da contracultura que se iniciava, embalado pela voz de Janis Joplin e de Jimi Hendrix. Iniciavam-se os “anos utópicos”, tão breves, tão rápidos. Os Estados Unidos se atolavam no Vietnã em chamas. Os “Beatles” deixavam de ter apenas a imagem de adolescentes rebeldes e davam uma virada em sua carreira, com “Sergeant Pepper’s”, John Lennon e Paul McCartney revelando todo o seu amadurecimento poético e musical. Cantar o amor contra a guerra começava a ser um movimento mundial. A palavra de ordem era “Love”. O Brasil estava, desde Março, sob uma nova Constituição, que o Presidente Castello Branco entregara para o seu sucessor, General Costa e Silva. Delfim Neto, que fora Secretário da Fazenda em São Paulo, no governo de Laudo Natel, tornara-se Ministro da Fazenda, fazendo revisões na política econômica de Roberto Campos e Octávio Gouvêa de Bulhões. Já se falava no início do “milagre econômico”. E o cruzeiro, desde fevereiro, havia virado “cruzeiro novo”, valendo mil vezes o antigo. A ordem era fazer a indústria crescer. A UD, Feira de Utilidades Domésticas, apresentava, pela primeira vez, um cobertor elétrico. Inaugurava-se a Tevê Bandeirantes, a Record realizava o seu III Festival de Música Popular.

A situação política no país, no entanto, começava a agravar-se Juscelino Kubitschek havia retornado, imprevistamente, de uma viagem aos Estados Unidos, havendo boatos de que o governo militar iria revisar a situação dos cassados. Mas a surpresa era outra. JK, Carlos Lacerda e Jango uniam-se, em Setembro, para coordenar a “Frente Ampla”, tendo Carlos Lacerda viajado a Montevidéu para conversar com Jango, aumentando a irritação dos militares. Falava-se em guerrilhas no país, sempre desmentidas pelo governo ou por seus porta vozes. E uma notícia que abalou as esquerdas e o mundo universitário: confirmava-se a morte de Ernesto Che Guevara, no dia 10 de Outubro, na Bolívia.

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